Não é fácil transmitir aos espectadores mais jovens as memórias que os podem ajudar a conhecer, eventualmente compreender, os contextos mais distantes da vida dos filmes. Porquê? Não, por certo, por causa de limitações desses espectadores. Antes porque há toda uma ideologia “social” que, por vezes, tende a caracterizar os filmes “antigos” como pitorescos, mais ou menos caricaturais e, em última instância, descartáveis.
Eis um belo exemplo que nos pode ajudar a reflectir um pouco sobre essa questão.
Podemos recordar que se trata de uma deliciosa, elegante e sarcástica visão de uma classe social que Buñuel observa como uma comunidade iludida pelo seu próprio poder e, em última instância, desconhecedora do mundo em que vai explorando os privilégios desse poder .
Mais, muito mais do que isso , Buñuel é um retratista dos sobressaltos oníricos — ou, se quisermos ser psicanalíticos, inconscientes — que pontuam o comportamento dos incautos humanos que somos. Tudo isto, importa não esquecer, servido por um elenco de excepção em que encontramos nomes como Fernando Rey, Delphine Seyrig, Bulle Ogier, Claude Piéplu, Stéphane Audran, Jean-Pierre Cassel e Michel Piccoli.
O filme corresponde ao primeiro capítulo da trilogia final do realizador, completada com “O Fantasma da Liberdade” e “Este Obscurso Objecto do Desejo” . Ver ou rever “O Charme Discreto da Burguesia” será, assim, partilhar a inteligência, e também o contagiante humor, de um mestre absoluto da história dos filmes — 50 anos depois, Buñuel persiste como exemplarmente moderno.
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