Assinalamos os 100 anos do escritor que, mais do que denunciar os elementos de opressão e paranóia nas sociedades modernas, colocou o microscópio sobre o seu próprio sangue e viu essa manhã em que a humanidade despertou horrorizada consigo própria.Kafka, como Borges e Joyce, entre poucos mais escritores do século passado, tornou-se num género literário em si mesmo.
Como se sabe, no fim, Kafka confiou em testamento a sua obra a Max Brod, destinando à destruição tudo aquilo que estava inédito, e que era a maior parte do que hoje conhecemos como a sua obra, tendo desde então prevalecido a tese de que ele estaria confiante de que o amigo faria o que fez. Contudo, como frisa Benjamin, essa última vontade, expressa com toda a clareza, é algo que nenhum estudo sobre Kafka deve ignorar.
Para nos falar de Kafka, Claudio Magris sugere-nos a condição de um náufrago, e remete para esse que considera ser o grande livro de aventuras,. Após ter escapado de um naufrágio e conseguido alcançar uma ilha desconhecida, abrigando-se num refúgio temporário, Crusoé criou um sistema para medir o tempo e fazer o balanço entre os aspectos positivos e negativos das circunstâncias em que se acha.
A certa altura Canetti parece assinalar o elemento de crueldade e de manipulação a que Kafka a sujeita, dizendo-nos que, «se numa das suas cartas está algo que possa melindrar Felice, ele chama-lhe a atenção para isso na missiva seguinte, empurra-a de encontro a isso, repete as suas desculpas; é que ela não nota nada, na maioria das vezes, nem sabe do que se trata. Assim, à sua maneira, ele trata-a como inimigo.
«Se Kafka se põe de parte e se entrincheira no seu ‘covil’ é precisamente para ver claro. A multidão que se agita cá fora não vê nada», assegura o ensaísta português. Sem recusar o dom estarrecedor com que Kafka a todos nos enreda,acaba por ilustrar a escandalosa inteligência de um ser capaz de se desnudar e revelar uma natureza absolutamente sórdida ao mesmo tempo que nos seduz irresistivelmente.
Magris identifica em Kafka esta estratégia permanente da negação e do próprio desaparecimento, regista como ele se escapuliu deixando em seu lugar «a sombra, a ausência, a dissimulação, a evasão».
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