Governo britânico não vai abrir um inquérito às denúncias de “chantagem” contra os opositores internos de Johnson

Downing Street insiste que “não existem provas” e só admite investigar se elas lhe forem apresentadas. Deputados conservadores queixam-se de pressões e ameaças de cortes de financiamento.

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ANDY RAIN/EPA

O Governo do Reino Unido não pretende abrir uma investigação às denúncias de “chantagem”, intimidação, ameaças de cortes no financiamento e bullying contra os deputados conservadores que se opõem ao primeiro-ministro, Boris Johnson, ou que defendem que deve ser alvo de uma moção de desconfiança interna devido às festas realizadas em Downing Street, em suposta violação das leis e restrições pandémicas.

O ministro da Economia, Kwasi Kwarteng, até disse, esta sexta-feira de manhã, que, mesmo achando “muito improvável que as denúncias sejam verdadeiras”, seria preciso “ir ao fundo desta questão”. “Tenho a certeza de que isto será investigado, se já não está a ser”, afirmou.

Mas um porta-voz do primeiro-ministro defendeu, pouco depois, que só faz sentido abrir um inquérito “se forem apresentadas provas” das acusações em causa. Só nesse cenário é que o Governo vai “olhar cuidadosamente” para as denúncias, insistiu.

A recusa de Downing Street em tomar uma posição mais proactiva sobre o caso está a ser entendida pela oposição como uma estratégia de protecção do primeiro-ministro, mas também dos whips conservadores, os deputados responsáveis por assegurar a disciplina de voto entre os representantes parlamentares do partido na Câmara dos Comuns.

Segundo o Times, alguns dos deputados que dizem ter sido alvo desses actos de “chantagem” estão a ponderar tornar públicas mensagens de texto e outros registos dos contactos que tiveram com os whips, de modo a corroborarem as acusações.

O Partido Trabalhista encabeça os pedidos, vindos da oposição, para a abertura de um inquérito interno ao caso.

Em causa estão as denúncias apresentadas na quinta-feira por William Wragg, deputado do Partido Conservador, presidente da comissão parlamentar de Administração Pública e Assuntos Constitucionais e um dos poucos tories que defende publicamente a demissão de Johnson.

Wragg revelou que “vários membros do Parlamento enfrentaram pressões e intimidações de membros do Governo devido ao seu desejo, declarado ou assumido, por uma votação de confiança à liderança do partido” e aconselhou-os a apresentarem queixa junto da Polícia Metropolitana de Londres.

Entre as acusações referidas por Wragg estão ameaças de publicação de notícias embaraçosas na imprensa.

Na sequência desta sua intervenção, Christian Wakeford – o deputado que anunciou, na véspera, que abandonava o Partido Conservador para se juntar aos trabalhistas – admitiu ter sido ameaçado com um corte no financiamento para a construção de uma escola no seu círculo eleitoral, caso votasse contrariamente ao Governo.

“[Wakeford] agora é deputado do Labour e, como é óbvio, faz parte do seu trabalho tentar descredibilizar o Governo”, respondeu o ministro Kwarteng.

Nesta sexta-feira a BBC noticiou o caso de um deputado conservador, cuja identidade não revelou, que diz ter sido ameaçado com a perda do seu lugar, no âmbito da reorganização do mapa de círculos eleitorais que está em marcha no Parlamento.

Moção à vista?

Boris Johnson encontra-se debaixo de fogo depois de ter admitido que participou numa festa nos jardins de Downing Street, com cerca de 30 pessoas, em Maio de 2020, quando Inglaterra estava confinada. Depois de várias semanas a garantir que não violou qualquer lei, o primeiro-ministro foi obrigado a pedir desculpa pelo sucedido.

Disse, ainda assim, que achou que o convívio se tratava de um “evento de trabalho” e pediu àqueles que exigem a sua demissão que aguardem pelas conclusões de uma investigação que está a ser feita pela funcionária pública Sue Gray – e que versa sobre mais de dez supostas festas envolvendo membros ou funcionários do Governo.

Para além de praticamente toda a oposição, também há deputados conservadores que exigem o afastamento de Johnson ou, pelo menos, o agendamento de uma moção de desconfiança. Entre estes “rebeldes” estão Wragg, o ex-ministro do “Brexit” David Davis e o líder dos Conservadores Escoceses, Douglas Ross.

A convocação dessa moção depende, porém, da tomada de posição nesse sentido de pelo menos 54 deputados, sem cargos ministeriais, do Partido Conservador. Segundo a imprensa britânica, esse número estará muito próximo de ser atingido.

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