Estudo não encontra provas de transmissão do SARS-CoV-2 através do leite materno

Investigação realizada nos Estados Unidos sugere que o leite de mães recentemente infectadas com o SARS-CoV-2 não será um factor de risco para a transmissão do vírus no bebé.

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Foram analisadas amostras de leite materno doadas a um biorrepositório da Universidade da Califórnia ENRIC VIVES-RUBIO

Consideremos esta questão: uma mãe recentemente infectada com o SARS-CoV-2 pode transmitir o vírus ao bebé através do seu leite? Uma resposta a esta pergunta é dada num artigo publicado agora na revista científica Pediatric Research. Neste estudo não foram encontradas provas de que o leite materno tenha o SARS-CoV-2 infeccioso nem que esse leite represente um risco de transmissão para os bebés. Até agora, de que se tenha conhecimento, esta foi a investigação que analisou mais amostras de leite materno de mulheres infectadas com o coronavírus.

Outros estudos já tinham detectado material genético do SARS-CoV-2 em leite materno. Contudo, não era bem claro se existia uma transmissão da infecção da mãe para o bebé através do leite. Numa publicação da Organização Mundial da Saúde sobre a covid-19 e a gravidez admite-se essa incerteza: “Até à data, o vírus activo não foi encontrado em amostras de líquido à volta do bebé no útero ou no leite materno.”

A equipa que realizou o trabalho agora divulgado também refere essa dificuldade, mas considera já que há cada vez mais provas de que o leite materno não será uma fonte da infecção. “Embora limitadas, há cada vez mais provas de que o leite materno não é uma fonte da infecção do SARS-CoV-2 para os bebés que são amamentados por mães que estiveram recentemente infectadas”, lê-se no artigo científico publicado na Pediatric Research.

Agora, através desse mesmo artigo, chegam mais provas nesse sentido. A equipa liderada por Paul Krogstad (da Universidade da Califórnia, nos EUA) analisou amostras de leite materno doadas a um biorrepositório da Universidade da Califórnia entre Março e Setembro de 2020. Das 110 mulheres a amamentar incluídas no estudo, 65 tinham tido um teste positivo para o SARS-CoV-2. Outras nove tinham tido sintomas, mas tinham tido testes negativos. Já 36 tiveram sintomas, mas não fizeram testes.

Ao longo da investigação, a equipa encontrou material genético (nomeadamente ARN) do SARS-CoV-2 em amostras de sete mulheres (6%) que tinham tido testes positivos ou que tinham tido sintomas. Depois, foram recolhidas amostras do leite dessas mães entre um e 97 dias depois da primeira recolha. Nenhuma delas continha já material genético do vírus. Além disso, em nenhumas das amostras foi encontrado material genético infeccioso do SARS-CoV-2.

Portanto, conclui-se no próprio artigo científico: “O ARN do SARS-CoV-2 pode ser encontrado esporadicamente no leite materno depois de uma infecção recente, mas não encontrámos provas de que o leite materno tenha um vírus infeccioso ou que a amamentação representa um factor de risco para a transmissão da infecção nos bebés.”

Uma fonte valiosa de nutrição

A equipa nota que os resultados indicam que uma infecção recente por SARS-CoV-2 ou a detecção do seu ARN no leite humano não é assim uma contra-indicação para a amamentação. “O leite materno é uma fonte valiosa de nutrição para os bebés. No nosso estudo, não encontrámos provas de que o leite materno de mães infectadas com SARS-CoV-2 tenha material genético infeccioso nem provas clínicas que indiquem que os bebés tenham ficado infectados, o que sugere que o leite materno não é, provavelmente, perigoso”, resume Paul Krogstad, num resumo sobre o trabalho.

Mesmo assim, a própria equipa mete um travão nas conclusões absolutas sobre a impossibilidade da transmissão através do leite materno: ainda assim, este estudo tem relativamente poucas amostras e pode não ter explorado todos os potenciais factores envolvidos na presença de ARN do SARS-CoV-2 no leite materno.

Este estudo também ainda não teve em conta a vacinação das mães. Mas, nos últimos meses, têm surgido alguns dados sobre a potencial protecção dada pelo leite materno ao bebé. Alguns trabalhos têm vindo a mostrar que mulheres grávidas e a amamentar que foram inoculadas com vacinas de ARN-mensageiro têm anticorpos contra o SARS-CoV-2. Tem-se vindo assim a sugerir que as vacinas conferem imunidade aos recém-nascidos através do leite materno e da placenta, onde também se encontram anticorpos. Em Portugal, além de anticorpos, um estudo liderado pelo Centro de Estudos de Doenças Crónicas (Cedoc) da Universidade Nova de Lisboa também conseguiu detectar em leite materno células imunitárias de memória específicas de vacinas contra a covid-19.

Também nesta semana, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) reforçou que há cada vez mais provas que indicam que as vacinas de ARN-mensageiro contra a covid-19 não causam complicações na gravidez nem para as mães nem para os bebés.

A agência europeia fez uma revisão a vários estudos que envolvem cerca de 65 mil gravidezes em diferentes fases. “A revisão não encontrou qualquer sinal de um risco maior de complicações na gravidez, abortos, nascimentos prematuros ou efeitos adversos nos bebés recém-nascidos a seguir à vacinação contra a covid-19”, refere-se em comunicado. A investigação também mostrou que as vacinas são tão eficazes na redução do risco de hospitalização e de morte nas mulheres grávidas como nas pessoas que não estão grávidas.

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