No debate em que Costa deixou mais ou menos de fugir à palavra proibida, a esquerda abriu portas e a direita fechou algumas

Maria João Caetano , Germano Oliveira
18 jan 2022, 00:48
Debate entre partidos com assento parlamentar (PEDRO PINA/RTP/LUSA)

PS, PSD, BE, PCP, CDS, PAN, Chega, IL e Livre: partidos com assento parlamentar protagonizaram em simultâneo o penúltimo debate televisivo da campanha. Não foi supreendente mas há entendimentos mais ou menos tácitos que se vão construindo e destruindo

O moderador perguntou se Costa já consegue dizer "absoluta ou se ainda foge dessa palavra" e desta vez Costa respondeu sem subtilezas semânticas: "Sim, é uma maioria absoluta que garante estabilidade durante quatro anos". O secretário-geral do PS já tinha usado esse "absoluta", termo tão aparentemente proibido, no pós-debate com Rio e esta segunda-feira voltou a fazê-lo - mas só uma vez. Depois foi assim: "A melhor solução de Governo é termos uma maioria com estabilidade". O "absoluta" é para não gastar, já quanto a "estabilidade" é para usar à exaustão (a Iniciativa Liberal disse adiante que isto é na verdade "chantagem").

"Para mim é claro que, ganhando as eleições, assumo as minhas responsabilidades, espero que com as melhores condições para poder governar com estabilidade. Mas são os portugueses que decidem quais são as ferramentas que põem ao meu dispor para governar", disse Costa. Antes e depois insistiu no termo: "estabilidade", "estabilidade", "estabilidade", o país "precisa de estabilidade", é o mantra da campanha socialista - mas haverá instabilidade se o PS perder as eleições: "Se isso acontecer, obviamente que, depois de ter sido primeiro-ministro durante seis anos, isso será um voto de desconfiança" dos portugueses. Sendo assim, e tal, como já tinha dito em diversas ocasiões, Costa deixa a liderança do PS. Francisco Rodrigues dos Santos disse que, por isso mesmo, Costa devia ter trazido Pedro Nuno Santos para o debate.

Para Rui Rio, é tudo muito simples: só ele ou Costa podem ser primeiros-ministros, "a hipótese de haver uma maioria absoluta do PS ou do PSD é muito próxima de zero" e por isso estabilidade é haver "espírito democrático": "Entendo que se eu não ganhar as eleições tenho de ter disponibilidade para negociar a governabilidade, mas também quero o contrário: se for eu a ganhar quero que os outros também tenham disponibilidade para negociar". E se vencer, Rio  vai baixar primeiro o IRC e só a seguir é que vai pensar no IRS: "É preciso cuidar primeiro da produção, crescer, criar mais riqueza para depois distribuir e, de uma forma sustentada, dar melhores condições de vida aos portugueses". O líder do PSD não quer "fazer revoluções" nesta área nem "partir tudo", mas quer "mudar o rumo" para que, não agora mas em breve, as mudanças se reflitam nos portugueses: "Se organizarmos melhor a despesa pública e racionalizarmos a despesa, conseguimos com menos receita e menos despesa (em termos relativos) fazer muito melhor".

As portas da esquerda

A primeira intervenção de Catarina Martins foi para corrigir Rio, que tinha referido que nestas eleições havia duas escolhas - ou o líder do PS ou do PSD para primeiro-ministro. A bloquista começou assim: "Aqui não há uma escolha para primeiro-ministro, vota-se para eleger um Parlamento". O mesmo disse Rui Tavares, do Livre: nas eleições legislativas "não se escolhe só um primeiro-ministro, escolhe-se a composição de um governo, que deputados e deputadas estão na Assembleia da República e que políticas queremos ter".

De regresso a Catarina Martins: "No dia a seguir às eleições não vamos estar a discutir um orçamento, vamos discutir uma proposta de Governo e um contrato de Governo que resolva as questões fundamentais". A líder do BE está convicta de que as pessoas não querem saber se a maioria é absoluta ou relativa, "as pessoas querem entendimentos que resolvam questões concretas" e que têm a ver com os salários, as pensões, a saúde. "Esse contrato para o país o BE vai fazê-lo - já o fez no passado e vai fazê-lo de novo" - se António Costa assim o quiser. 

João Oliveira, que substituiu Jerónimo de Sousa, sublinhou que o PCP não tem "uma ideia de autossuficiência" e que se mostrou disponível "para convergir com quem queira fazer uma política com as medidas que dão respostas concretas aos problemas das pessoas". Porque o PCP tem a  sua própria concepção de "estabilidade": "Cada voto e cada deputado da CDU são um contributo para a estabilidade. Quando as políticas do Governo resolvem os problemas das pessoas há estabilidade". 

Para Rui Tavares, não há dúvidas: "Se houver uma maioria à esquerda nós seremos parte da solução, se houver uma maioria à direita nós seremos parte da oposição". O Livre está disponível para "uma aliança o mais ampla possível".

Chega exige estar num Governo PSD, CDS-PP exclui coligação que envolva o PAN (além do Chega)

À direita, o CDS clarificou que não faz "arranjinhos nem com a esquerda nem com a extrema-direita" (e nem com o PAN), enquanto Cotrim de Figueiredo voltou a demonstrar a sua "disponibilidade" para se sentar "com o PDS a discutir o que será um governo de alternativa a este governo socialista que nos tem desgovernado". André Ventura voltou a dizer que se o Chega for a terceira força política vai exigir um lugar no governo.

"O Chega quer contribuir para que haja uma maioria de direita" e está convicto de que esta só será possível com a colaboração do Chega, que é "o único partido que neste momento, de acordo com as sondagens, pode viabilizar" essa maioria. Portanto, se o Chega tiver um resultado expressivo, acima dos 7%, exigirá a presença no governo. "É uma exigência legítima", diz Ventura, sublinhando que se não tiver esse resultado não será uma derrota. Trata-se apenas de um objetivo. 

Quanto ao PAN, Inês Sousa Real voltou a não se comprometer nem com o PS nem com o PSD, mostrando-se disponível para negociar com todos, mas quando questionada sobre as linhas vermelhas do partido não hesitou em dizer (tal como já tinha dito nos debates anteriores) que não se pode aliar a partidos que "não estão alinhados com os valores do século XXI". "O PAN tem a consciência de que jamais viabilizará uma solução governativa que queira fazer retrocessos em matéria de proteção animal, como por exemplo na tauromaquia".

Outras discórdias e o regresso à "estabilidade"

No debate sobre os temas concretos dos programas eleitorais, a discussão centrou-se na política fiscal, na gestão da saúde (e no Serviço Nacional de Saúde) e da educação e na necessidade ou não de privatizar ou desprivatizar - e aí todos os candidatos tiveram oportunidade de clarificar as suas posições, que já eram conhecidas.

Ao contrário do que o acusou Costa, Rui Rio voltou a explicar que não quer privatizar o Serviço Nacional de Saúde - quer um SNS "tendencialmente gratuito" e disse que é isso que está no programa do PSD. No entanto, nomeando todos os problemas que considera que o sistema de saúde enfrenta - falta de médicos de família, o aumento das listas de espera para cirurgia e consultas de especialidade, o aumento da taxa de mortalidade não covid - disse que não pode "fazer mais do mesmo". "Alguma coisa tenho de fazer para as coisas melhorarem. Se a capacidade de resposta do SNS neste momento é esta, mas dentro do sistema há a capacidade instalada, então eu devo negociar com privados" para ter estes serviços. Esta é uma solução "em que ambos ganham": "os privados ganham mas o Estado também" porque "conseguimos que o serviço seja prestado mais barato e melhor". Mas será sempre uma solução temporária: "Depois devemos exigir que os serviços públicos consigam fazer aquilo que os privados conseguem".

Quanto ao sector do trabalho, e para Catarina Martins e João Oliveira, o combate faz-se pelo aumento dos salários dos trabalhadores e dos apoios sociais a quem mais precisa. "A direita quer aproveitar os problemas que o país tem para uma imensa privatização da economia e para precarizar ainda mais o trabalho para dar borlas fiscais aos milionários", acusou a líder do Bloco.

João Cotrim Figueiredo debateu-se pela sua reforma fiscal, tentando demonstrar que a taxa única de IRS defendida pela Iniciativa Liberal é uma solução fiscal mais justa e menos complexa. Nas suas palavras, a proposta da Iniciativa Liberal de redução de escalões do IRS "é a maneira mais rápida de aumentar os salários líquidos e a forma mais evidente de travar a emigração".

André Ventura voltou a dizer que quer baixar todos os impostos para as famílias e as empresas, assim como o IVA da eletricidade e dos combustíveis. E ele, que é um candidato autointitulado antissistema, diz que cortes de apoios sociais como o RSI servem para "moralizar quem abusa do sistema".

No final, Costa voltou ao seu termo predileto: "Tivesse o Orçamento do Estado para 2022 sido aprovado e já tínhamos tido o aumento extraordinário das pensões, reduzido impostos sobre classe média, aumentado as bolsas. Não faltaram políticas, aquilo que faltou mesmo foi vontade política. A direita poderá ter uma maioria mas não é de governo, é uma maioria de desgoverno, por isso não são uma alternativa de estabilidade".

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