Estas preciosas cartas de família foram deixadas num avião. Contra todas as probabilidades, regressaram a casa

CNN , Julia Buckley
16 jan 2022, 07:00
Perdidos e Achados: A pasta com as cartas deixadas no avião da Southwest. Foto: Southwest

Uma coleção de cartas trocadas entre a mãe de Rachel DeGolia e o irmão durante décadas ficou esquecida num avião e esteve muito perto de ficar esquecida num armazém de artigos perdidos

Aquele pesadelo em viagem. Levar algo precioso, mantê-lo à mão para não correr o risco de o perder na bagagem de porão – e depois perceber que não o temos quando chegamos a casa.

Para Rachel DeGolia, o pesadelo de perder alguma coisa num voo realizou-se. Em setembro, a sua coleção insubstituível de cartas de família das décadas de 1940 a 1970 foi deixada num avião quando aterrava no Aeroporto Midway de Chicago.

Segundo DeGolia: "Foi trágico." Mas essa tragédia transformou-se em alívio – até um triunfo – quando, depois de três semanas à procura, uma persistente representante da companhia aérea voltou a juntar DeGolia e as cartas.

Uma prenda da falecida mãe

Lois Schafer e a mãe Ruth no Rio Mississippi, em Lansing. Foto: Arquivo pessoal de Rachel DeGolia

Foi a descoberta durante a pandemia que salvou o verão de Rachel DeGolia.

A mãe, Lois, tinha falecido em 1996 de cancro, deixando a família desprovida.

Mas, segundo ela, a família era "prolífera a escrever cartas" e, no verão de 2021, a prima encontrou uma coleção de cartas enviadas pela jovem Lois ao irmão, Phil, que as tinha guardado todos aqueles anos.

As cartas, a mais antiga datava de 1947, relatavam a sua vida – primeiro, como uma adolescente frustrada numa cidade pequena, Lansing, no Iowa, e depois quando foi para a faculdade em Chicago e conheceu o homem que se tornaria seu marido.

"Havia muitas perguntas que gostaríamos de lhe fazer, mas ela morreu quatro meses após o diagnóstico", diz DeGolia. "Isto pareceu uma prenda – uma janela para a sua vida adulta. E perder isso...", faz uma pausa. "Senti-me tão estúpida por não ter feito pelo menos uma cópia."

A prima tinha enviado as cartas em remessas à medida que as ia lendo, no verão, e DeGolia levou-as com ela para a cerimónia de casamento da filha, no fim de semana do Labour Day. A celebração tinha sido adiada um ano – o casal tinha cancelado o casamento em 2020, tinha casado via Zoom em junho e planeou fazer a festa em Brooklyn, em setembro de 2021. DeGolia pensou que seria a altura perfeita para partilhar as cartas com o irmão.

Com o entusiasmo, ela não fez cópias das cartas antes da viagem. E com o entusiasmo, o irmão levou a preciosa carga para casa, fazendo questão de a levar com ele na cabine – mas depois deixou-a na cabine quando saiu do avião no regresso a casa, a Chicago.

"Ele ia digitalizá-las quando chegasse a casa, por isso, levou-as para o avião, pousou-as no chão e, não se sabe como, foram atiradas para baixo do assento”, diz DeGolia.

Então, quando chegaram ao aeroporto, em Chicago, estavam longe da vista, portanto, longe do coração.

"Ele não tinha reparado que elas tinham desaparecido por algumas horas", diz DeGolia. "Ele nem sequer chegou a lê-las."

Cartas entre irmãos

O que o irmão tinha deixado no avião era a pasta cheia de cartas que a jovem Lois Anne Schafer tinha escrito ao seu irmão, desde 1947 até à década de 1960.

O irmão Phil tinha ido para a faculdade com apenas 16 anos e a jovem Lois sentiu-se sufocada em Lansing – uma pequena cidade no Rio Mississippi, no nordeste do Iowa, que hoje tem apenas 968 habitantes.

DeGolia gosta de realçar que Lois adorou a cidade até ao fim da vida, tal como os filhos. "Mantivemos a casa onde ela e o nosso tio cresceram e passámos lá muitas férias maravilhosas.” Mas quando era adolescente, a mãe tinha outra opinião.

"Ela escrevia sobre como estava entediada e que sentia falta de desafios no liceu", diz DeGolia.

"Ela sentia-se frustrada com a vida social em Lansing, escrevia ao meu tio que sentia muito a falta dele. Ela estava ansiosa por deixar a cidade."

Na verdade, conseguiu. O irmão tinha sentido dificuldade em adaptar-se à faculdade - Harvard – pois era muito novo, então, Lois passou o último ano do liceu com a tia em Milwaukee, para facilitar a transição para a vida na faculdade.

Ela continuou a escrever ao irmão, quando se mudou para Chicago, onde o seu mundo mudou ao começar os estudos em Ciências Sociais, especializando-se em planeamento urbano.

"Abriu-lhe todo o tipo de horizontes", diz DeGolia.

"Ela terminou a escola lá, conheceu o meu pai e eles casaram lá e ficaram em Chicago. Então, escreveu ao Phil sobre o que estava a pensar e a aprender, música, concertos, coisas filosóficas em que sabia que o meu tio alinharia. Embora ele não lhe escrevesse tanto quanto ela gostaria – ela estava sempre a queixar-se disso."

O tio Phil podia não ser bom a responder, mas era excelente a preservar a história da família. Um "guarda-tudo", como lhe chama DeGolia, guardava todas as cartas que a irmã lhe enviava.

E enquanto ela continuou a escrever, durante o casamento, a chegada dos filhos e ao cuidar dos pais idosos, de quem vivia perto, ele guardou todas as cartas, tendo assim um registo da sua vida.

Em 2021, DeGolia recebeu aquela história toda da vida da mãe e do primeiro encontro dos falecidos pais, quando a prima encontrou as cartas. Uma história que podia ter sido apagada, se as cartas tivessem ido para o lixo no avião.

As cartas perderam-se

Um voo da Southwest de Nova Iorque para Chicago Midway tinha levado o irmão de DeGolia para casa, em setembro depois da festa do casamento.

Depois dos passageiros saírem do avião, a tripulação encontrou a pasta durante as verificações após o voo, percebeu que as cartas eram preciosas e entregaram a pasta a um agente de embarque e depois foi colocada num cofre.

Segundo o procedimento da Southwest, no fim do turno os supervisores de embarque devem levar os bens de valor diretamente para a Área de Triagem de Bagagem da companhia aérea no aeroporto em questão - foi assim que as cartas foram parar às mãos de Sarah Haffner.

Na verdade, isto não devia ter acontecido. Normalmente, a companhia aérea dá 24 horas aos seus agentes para localizarem os donos dos bens de grande valor antes de os enviarem para o armazém principal de bagagens perdidas da Southwest, em Dallas.

Sarah Haffner, uma supervisora do Serviço de Bagagens da Southwest no aeroporto de Midway, tinha estado uma semana de folga quando a pasta chegou ao seu gabinete, mas os colegas não tinham enviado as cartas para o depósito porque pareciam muito preciosas.

"Quando voltei, estavam na prateleira de cima do cofre de bens muito valiosos", diz Haffner.

"Olhei para a pasta, mas tinha o nome de um dos meus gestores com uma nota a dizer para a manter ali. Então, deixei-a ali, pensei que sabiam quem era o dono.”

Mas os outros funcionários tinham desistido de procurar o dono, depois de não descobrirem nada e de não terem tido qualquer contacto a perguntar pelas cartas.

DeGolia disse que o irmão tinha deixado mensagens na sede da Southwest, mas de alguma forma as mensagens não tinham chegado às pessoas certas.

Uma semana depois de regressar – duas semanas depois das cartas se perderem – o gestor de Haffner disse-lhe que não sabia o que fazer.

"Disseram: 'Não tivemos sorte, por isso, se quiseres tentar, força - se não, teremos de enviá-las para os Perdidos e Achados’", diz Haffner.

"É um armazém enorme de artigos perdidos em Dallas. Está muito bem organizado, tanto quanto possível, mas é enorme. Não queria enviá-las para lá, quando vi o que estava dentro do envelope."

Uma história de amor “à filme”

Uma das cartas falava do desejo de Lois de casar com Frank Rosen, apesar da apreensão das duas famílias. Foto: Arquivo pessoal de Rachel DeGolia

Porque assim que as viu, Haffner percebeu que era um objeto que tinha de encontrar o seu dono.

"Havia cerca de 40 cartas escritas à mão, muito envelhecidas e escurecidas, da década de 1940, trocadas entre membros da mesma família", diz.

"Tirei uma e li-a toda. Percebi que eram pessoas que provavelmente já tinham falecido. Falava de relações e dramas familiares – era muito pessoal."

Era tão pessoal que até parou de ler. "Só li a primeira carta, porque senti que era uma invasão de privacidade. O conteúdo era muito privado. Tentei não ler."

Tão privado que Haffner até recusou falar dele com a CNN até Rachel DeGolia ter concordado em partilhá-lo.

A carta que Haffner tinha lido, a que estava em cima do monte, era uma em que Lois contava a Phil que tinha conhecido um homem na faculdade e que se tinha apaixonado por ele.

Tinham ficado noivos e descobriram que nenhuma das famílias queria aquele casamento.

"Os pais de ambos não aprovavam porque ele era judeu e a família dela era protestante, e achavam que não ia resultar", diz DeGolia. "Era uma carta linda."

"Era como um filme", acrescenta Haffner. "Ela estava a escrever esta carta, de irmã para irmão, a lutar pelo seu amor, porque os pais dela achavam que ele não era o homem certo. Ela estava a defendê-lo, dizia que ele era uma excelente pessoa. Era tão triste. Eu li-a e disse que não podia enviá-la para Dallas."

A triste carta teve um final feliz. Lois Anne Schafer e Frank Rosen casaram-se em 1949. Tiveram três filhos - Rachel era a mais velha - e estiveram juntos até Lois morrer, em 1996, depois de 47 anos de casados.

"Resultou", diz DeGolia, acerca dos pais. "Tiveram um ótimo casamento."

Haffner estava fascinada com a carta. "Estava curiosa para saber o fim da história, se tinham casado, se tinham vivido felizes para sempre… Era demasiado emocionante para a enviar para o armazém."

Encontrar Rachel

Normalmente, o procedimento para devolver os artigos aos donos é relativamente simples. Os artigos sem valor são enviados diretamente para o armazém de Dallas e registados no inventário. Os artigos de grande valor podem ficar 24 horas no aeroporto onde foram encontrados. Agentes como Haffner tentam encontrar uma identificação no artigo e depois fazem a correspondência com as reservas de passageiros.

Se a pessoa estiver num voo de ligação, não há problema, porque têm uma base de dados de passageiros com alguns anos.

Só havia um problema. O único nome identificado nas cartas era o de Rachel DeGolia – que não estava no voo.

Haffner e os colegas tentaram de tudo. Procuraram entre os dados dos passageiros, mas não conseguiram encontrar nenhum registo em nome de Rachel DeGolia. "Já tem dois ou três anos, mas com a pandemia, ela provavelmente não tinha viajado", diz Haffner.

"Estávamos a tentar corresponder os nomes na carta com o apelido dela, mas claro que era o nome de casada."

Depois de uma semana a procurar incessantemente, Haffner mudou de estratégia. Decidiu abandonar a base de dados da Southwest e tentou no Google.

E foi lá que encontrou detalhes de uma Rachel DeGolia do Ohio.

"Quais eram as probabilidades? Tinha de ser ela", disse ela. Conseguiu encontrar um número de telefone.

"Uma noite, às 21h00, recebi uma chamada", diz DeGolia. "Ela disse que se chamava Sarah, era da Southwest e eu interrompi-a e disse: «Encontrou as cartas?'» Mal podia acreditar, era incrível."

Haffner ficou com pele de galinha.

"Foi a coisa mais preciosa que já tive de localizar", diz. "Quando desaparecem coisas com valor monetário, as pessoas ficam aliviadas por as termos encontrado - telemóveis, portáteis, carteiras - ficam felizes por as termos, mas não têm uma ligação afetiva.

"Isto foi uma coisa única na vida. A Rachel ficou muito emocionada, e eu também." Começa a chorar, ao lembrar-se da conversa que tiveram.

"No dia anterior, fui para casa a pensar: «Não vamos conseguir encontrá-los, vamos ter de enviá-las para os Perdidos e Achados». Mas era tão importante, e eu sabia que as hipóteses de os localizarmos iam diminuir. Era tão óbvio que as cartas tinham muito significado para alguém. Não consegui fazê-lo."

Encontrou-se um legado

Normalmente, os clientes da Southwest têm de pagar a taxa de envio para reaverem a bagagem perdida. Mas desta vez, Haffner ofereceu-se para pagar um táxi para as devolver à família. DeGolia já nem nisso confiava – enviou a cunhada diretamente ao aeroporto par ir buscá-las. Por essa altura, Haffner já tinha ido para casa.

"Rachel escreveu-me uma carta – um bilhete à moda antiga – e enviou-a para o aeroporto", diz.

"Era uma carta a agradecer, e tão engraçada. Dizia que mal acreditava que as tínhamos encontrado, quando já acreditavam que tinham desaparecido e que, sendo assim, iam ter de matar o irmão. É o legado de família, e eu fiquei muito contente por termos conseguido encontrá-las. Aquelas cartas tinham mesmo de ser passadas de geração em geração."

DeGolia, por sua vez, chamou a Haffner uma "mulher maravilhosa" por ter salvado aquele "retrato do que a minha mãe era quando estava a crescer." Uma passageira de longa data da Southwest – "viajamos nesta companhia aérea desde que iniciou operações, porque a nossa casa de infância fica a 10 minutos do aeroporto Midway" – e está encantada porque a sua lealdade foi recompensada.

Enquanto isso, ela e a família ainda estão a descobrir mais cartas. "A minha família era prolífera a escrever cartas e tenho caixas com cartas que a minha avó escreveu", diz DeGolia. "E penso que a minha mãe guardava todas as cartas que a minha avó lhe enviou, e ela escreveu-lhe quase todos os dias durante anos."

Apesar de tudo, diz com cautela: "Garanto que agora estão todas digitalizadas."

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