Há coisas que olhamos e não vemos ou, quando vemos, mesmo que habitualmente, não raciocinamos em torno delas.

Tenho dois filhos e um sobrinho em idade escolar, não considerando os universitários. O mais novo frequenta o 6º ano de escolaridade e o mais velho o 11º ano. Os meus dois filhos frequentam um colégio privado em Lisboa e o meu sobrinho frequenta a mesma escola pública que eu frequentei.

Esta semana, antes de embarcar para o Funchal, de onde escrevo esta coluna, fui levá-los à escola e, como sempre, deixei-me ficar a observar o pequeno percurso que fazem entre a viatura e a entrada da mesma.

É uma daquelas rotinas que aprecio. Vou-me recordando de como cresceram e observo neles os pequenos pormenores físicos e de comportamento que os caracterizam. Desta vez, no entanto, alguma coisa me levou a reparar na mochila do mais novo, sobretudo a desproporção entre esta e a do irmão.

Como estava apressado para ir para o aeroporto não dei mais importância ao assunto. No final do dia, já na Madeira, quando falava com eles, pedi ao mais novo para se pesar, com e sem a mochila com o conteúdo que levava esta manhã. O meu filho mais novo, tal como pai, também tende para o robusto, pesa cerca de 40Kg e a mochila pesava 11Kg, ou seja mais de 25% do seu peso corporal.

Este assunto teria, apesar daquela proporção me ter chocado, acabado por ali não fosse o caso de, numa das reuniões que realizei no Funchal, ter tomado conhecimento da política do governo regional da Madeira para a digitalização do ensino.

Desde há alguns anos que os alunos, desde o 5º ano de escolaridade, não necessitam de livros e cadernos, e consequentemente de mochilas com 11Kg, pois todos os conteúdos educativos estão digitalizados e todos, sem exceção, possuem um tablet distribuído pelo governo regional.

Atualmente, esta política abarca todos os alunos até ao 9º ano de escolaridade, inclusive, estando já em curso uma experiência piloto com uma turma do 10º ano. Mais importante ainda, até 2024 todo o ensino secundário funcionará nestes moldes.

Este é um exemplo de como o Estado pode funcionar e um exemplo efetivo de transição digital na educação.

Sinceramente, nestas coisas do serviço público, interessa-me pouco qual a orientação política de quem o faz, mas interessa-me muito que o façam bem.

A Madeira dá aqui um enorme exemplo de como o nosso país devia tratar a Educação.

Para além disso, e sem me querer alongar, a Madeira faz melhor e de forma mais eficiente, sem uma estrutura gigantesca e burocratizada como a do Ministério da Educação, que tem como consequência que o custo de um aluno de uma escola pública seja superior ao custo de um aluno da maioria das escolas privadas.

A questão da transição digital coloca-se também, com particular acuidade, em contexto de pandemia.

Para além do potencial acréscimo das desigualdades criadas pelas diferenças de meios tecnológicos, nomeadamente ao nível da qualidade dos equipamentos e das redes de dados disponíveis, de cada aluno em contexto de aulas online, tenho verificado um crescimento do absentismo dos professores e as dificuldades de organização da escola em torno da articulação das aulas presenciais e aulas online.

Admito, por excesso de coincidência, que essa dificuldade seja apenas da escola do meu sobrinho, mas não me custa crer que a situação possa ser mais alargada.

Em contexto de pandemia, fez-se um esforço enorme e dispendioso para não interromper o ano escolar e proporcionar aos alunos a continuidade do ensino, mas parece-me que o impacto sistémico não foi duradouro. Os métodos de ensino remoto, com as muitas vantagens que apresentam, não foram devidamente inculcados no sistema.

Não pretendo com isto defender a preponderância do ensino online, mas antes a necessidade deste ser uma ferramenta à qual se possa recorrer permanentemente para obviar a falta de meios humanos, em particular de professores, mesmo que inopinada, a falta de meios físicos adequados, a distância e a dificuldade de deslocação.

O que o sistema implementado pela Região Autónoma da Madeira proporciona é, para além do argumento ergonómico, acabando com mochilas de 11Kg para um jovem pré-adolescente, uma política verde pela diminuição do consumo de papel, uma maior igualdade tecnológica no acesso à educação pública, maior versatilidade e elasticidade ao próprio sistema educativo, no fundo um passo decisivo para uma verdadeira transição digital.

O facto de o ensino privado não ser precursor desta transição digital é algo que me escapa por ser, a todos os títulos, incompreensível.