Um passeio pelo Norte

Nas pequenas cidades, vilas e aldeias do interior já quase não se notam diferenças no modo de vestir das pessoas em relação às grandes cidades. As mulheres vestidas de preto e lenço na cabeça fazem definitivamente parte do passado.

No preciso momento em que escrevo estas linhas estou alojado num hotel rural a 4 Km de Arouca. Hoje encontram-se belíssimos hotéis nos locais mais recônditos. A pandemia deu-lhes um empurrão, criando uma apetência grande por locais isolados, e o GPS, ao facilitar enormemente o acesso dos clientes a qualquer lugar, tornou estes estabelecimentos viáveis. Antes da descoberta do GPS, quem se lembraria de abrir um hotel em aldeias que nem constam do mapa? E hoje eles brotam como cogumelos nos sítios mais improváveis. 

Esta noite, eu, a minha mulher e os meus cunhados Alzira Cabrita e Rui Silva vamos dormir aqui em Arouca, já no regresso a casa depois de um périplo pelo Norte.

Andámos muito por estradas de montanha, de curvas e contracurvas, que são verdadeiras rotas panorâmicas. Aí, quem vem do Sul, como nós, percebe bem como Portugal é um país variado. As paisagens soberbas sucedem-se, com vales verdejantes delimitados por serras cujos perfis se desdobram no horizonte. E as cores vão-se esbatendo à medida que a distância aumenta, até acabarem num cinzento desmaiado que quase se confunde com o céu. 

As estradas por onde andámos, mesmo as muito secundárias, estavam em excelente estado. E, à semelhança das estradas, as pequenas cidades e vilas do interior também estão, de um modo geral, cuidadas. 

Quanto às pessoas, já quase não se notam diferenças no seu modo de vestir em relação às das grandes cidades, Lisboa, Porto ou Coimbra. As mulheres vestidas de preto e lenço na cabeça fazem parte do passado. Em toda a parte se veem raparigas de arrojadas minissaias e ninguém parece estranhar. Em contrapartida, o parque automóvel é mais envelhecido. Com alguma frequência vemos passar modelos de carros que nas principais cidades desapareceram há muito de circulação. 

Em muitas localidades há pouca vida. Aos fins de semana, então, algumas parecem abandonadas, como se as pessoas tivessem todas fugido: nas ruas não se vê ninguém. 

Se a globalização leva rapidamente a moda e a maneira de vestir aos aglomerados do interior, ao Portugal profundo, a arquitetura contemporânea está igualmente muito disseminada. Em toda a parte se veem edifícios ‘à Siza’, ou seja, de linhas direitas e volumes puros pintados de branco.

Muitos deles são pavilhões multiusos, centros culturais, museus, bibliotecas, etc., cujas dimensões parecem manifestamente desajustadas em relação ao número previsível de utilizadores.

Alguns destes edifícios são de boa qualidade arquitetónica, e eu percebo que é preciso dar dinheiro a ganhar aos nossos arquitetos – e deixar testemunhos arquitetónicos do nosso tempo. Mas é um dó de alma vermos edifícios enormes, que custaram milhões, praticamente vazios. Em Chaves, por exemplo, existe um museu em homenagem a Nadir Afonso, projetado por Siza Vieira, que é um bom exemplo deste fenómeno. 

De excelente qualidade arquitetónica (embora pouco original para quem conheça a obra de Siza), ali se observa o mesmo predomínio da horizontal (matizado por suaves oblíquas), o mesmo gosto pelas grandes superfícies brancas com poucas aberturas, o mesmo equilíbrio volumétrico entre os corpos paralelepipédicos. Mas é impressionante ver uma estrutura com aquela dimensão – que alberga grandes salas, enormes corredores, um anfiteatro – praticamente às moscas.

Em Montalegre o escândalo é significativamente maior: para lá do pavilhão multiusos não ter a mesma qualidade arquitetónica, é um mastodonte que, visto de cima, ocupa uma vasta área do tecido urbano, numa mancha gigantesca de quarenta mil metros quadrados (quase oito campos de futebol) implantada mesmo no coração da cidade, parecendo asfixiá-la. Quem se lembrou de fazer tamanha aberração? Que utilidade terá?

Ao contrário da escultura e da pintura, que são artes visuais, a arquitetura não é apenas para contemplar de fora: um edifício só faz sentido se for vivido por dentro, e se essa vida for correspondente ao esforço investido na sua conceção e construção. Ora, olhando para certos centros culturais, para certos pavilhões desportivos ou multiusos, para certas bibliotecas que fui vendo nas terras por onde passámos, percebe-se à vista desarmada que existirá um desequilíbrio enorme entre a imponência do edifício e o uso que efetivamente terá.

E enquanto estes edifícios nascem um pouco por toda a parte, os centros das cidades estão cheios de prédios degradados, alguns em ruínas, incluindo edifícios com história e muito boa qualidade. Não seria mais lógico que as câmaras comprassem e recuperassem alguns desses edifícios instalando neles os tais centros culturais e bibliotecas, em vez de irem construir edifícios novos? Assim se reabilitaria património e se pouparia muito dinheiro.

A proliferação destes equipamentos novos faz-me lembrar a época de D. João V, em que se derreteu o ouro do Brasil em conventos, mosteiros, igrejas e capelas, alguns muito bonitos, mas que não contribuíram nada para o desenvolvimento do país. Na mais pequena localidade há uma igreja setecentista, muitas vezes com riquíssima ornamentação de talha dourada; agora, há um pavilhão, uma biblioteca ou um centro cultural.

Então, foi o dinheiro do Brasil que andou para a frente; agora foram os dinheiros da Europa.

O problema português é que não ‘produzimos dinheiro’ cá dentro – importamo-lo de fora, seja das ex-colónias, seja agora da União Europeia. E como o enterramos em investimentos não-reprodutivos, eles não contribuem em nada para o nosso progresso. Pelo contrário: contribuem para eternizar o nosso atraso.

Sou arquiteto e – repito – gosto de ver esses edifícios brancos de linhas contemporâneas que salpicam as cidades, vilas e até aldeias do país. Mas percebo que não é assim, investindo milhões e milhões de forma não reprodutiva, cujo retorno mesmo em termos culturais é muito escasso – não é assim, repito, que alguma vez nos desenvolveremos.