Max Stahl. As reações à morte do jornalista que "mudou o destino" de Timor

por RTP

As imagens gravadas pelo jornalista australiano no massacre de Santa Cruz, em 1991, correram o mundo e tiveram um enorme impacto na opinião pública sobre a situação que se vivia em Timor-Leste. Max Stahl acabaria por receber a nacionalidade do país que ajudou a fundar. Vários líderes e ex-líderes timorenses reagiram à morte do repórter nas últimas horas. Xanana Gusmão considera que o trabalho de Stahl "mudou o destino da nação".

A reação do ex-Presidente foi uma das primeiras à morte do jornalista australiano e timorense. “Poucas pessoas conseguiram dar um contributo tão significativo para a nação”, salienta Xanana Gusmão numa carta enviada à viúva de Stahl.

Salienta que o país “está de luto” e que as filmagens de 1991 vieram expor “a repressão e brutalidade da ocupação indonésia”. Xanana Gusmão destaca também o trabalho de arquivo sobre a História de Timor que Max Stahl desenvolveu.

Em 2019 o Parlamento timorense atribuiu a nacionalidade ao jornalista britânico Max Stahl, em reconhecimento pelo seu papel na luta pela libertação de Timor-Leste.

Também o ex-Presidente timorense José Ramos-Horta reconhece a “grande perda” com a morte do jornalista. Em declarações à agência Lusa, destaca que o jornalista tinha “o reconhecimento do Estado”, mas era também “uma figura muito querida” para os timorenses.

"O seu profissionalismo e a sua extrema coragem deram um impulso fundamental à frente diplomática, catapultando Timor-Leste para as primeiras páginas dos meios de comunicação mundiais, depois de vários anos em que a situação timorense permanecia adormecida para a comunidade internacional", referiu o Governo em comunicado.

Em nome do Governo, Fidelis Magalhães, ministro da Presidência do Conselho de Ministros manifestou "as mais sentidas condolências à família e amigos do estimado Max Stahl", considerando que "o povo Timorense estará para sempre grato pela sua contribuição para a autodeterminação nacional" e que "a sua coragem e o legado do seu trabalho perdurarão para sempre na memória de todos nós".

"Max Stahl merecia um tratamento especial no nosso país, não apenas pela cobertura que fez ao 12 de novembro [massacre de Santa Cruz], mas também pela forma como continuou a fazer trabalho de mérito para o nosso país", disse Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), também à agência Lusa.

Ana Gomes, a antiga diplomata portuguesa em Jacarta aquando da independência de Timor-Leste, manifestou “tristeza” pela morte de “um herói da libertação e independência” de Timor-Leste.

"RIP (descanse em paz) querido Max! Curvo-me de tristeza, admiração e respeito por este colosso do jornalismo ativista contra a injustiça, pela democracia e direitos humanos", escreveu na rede social Twitter a antiga eurodeputada e ex-candidata à Presidência da República portuguesa.

Também o líder da missão “Lusitânia Expresso”, que em 1992, tentou levar ativistas a Timor-Leste, Rui Marques, lamentou a morte do jornalista, cujo contributo considera “indissociável” da independência do país.

"A morte de Max Stahl deixa-nos particularmente tristes, enquanto amigos mas também enquanto companheiros de luta pela autodeterminação de Timor-Leste", escreveu Rui Marques na sua página de Facebook.

O responsável da missão "Paz em Timor" sublinhou que "a sua coragem e ousadia quer na filmagem do massacre de 12 de novembro, quer nas filmagens do pós-referendo, em 1999, mostraram ao mundo o que estava a acontecer em Timor. Ele foi verdadeiramente a voz dos timorenses nesse tempo de trevas", considerou.

Rui Marques liderou a missão que, em março de 1992 levou quase 150 pessoas, incluindo o ex-presidente português António Ramalho Eanes, a bordo do Lusitânia Expresso, com o objetivo de depositar flores no cemitério de Santa Cruz, em Díli.
Três décadas depois

Max Stahl morre vítima de doença prolongada praticamente 30 anos depois do Massacre de Santa Cruz. Por coincidência, o jornalista morre no mesmo dia, 30 anos depois, de Sebastião Gomes, o jovem que foi a enterrar em Santa Cruz a 12 de novembro de 1991 e cuja morte acabou por suscitar o massacre.

Na altura, mais de duas mil pessoas dirigiram-se a Santa Cruz para homenagear o jovem, morto por forças indonésias. No cemitério, os militares indonésios abriram fogo sobre a multidão e provocaram a morte de 74 pessoas no local, mais 120 nos dias seguintes.


O jornalista nasceu a 6 de dezembro de 1954 no Reino Unido como Christopher Wenner, sendo mais conhecido pelo nome Max Stahl. Começou a ligação a Timor-Leste em agosto de 1991, ao entrar no país pela primeira vez, disfarçado de turista, com o objetivo de gravar um documentário para uma televisão independente inglesa.

Max Stahl deixa como legado um dos principais arquivos de imagens dos últimos anos da ocupação indonésia do país e do período imediatamente antes e depois do referendo de independência.

O Centro Audiovisual Max Stahl em Timor-Leste (CAMSTL) contém milhares de horas de vídeo incluindo entrevistas alargadas com os principais atores da luta timorense pela independência.

Este arquivo foi considerado pela UNESCO como Registo da Memória do Mundo e tem vindo a ser objeto de um trabalho de preservação e divulgação para fins de ensino e investigação acerca da história de Timor, no âmbito de protocolo de cooperação estabelecido entre a Universidade de Coimbra, a Universidade Nacional de Timor-Leste e o CAMSTL.

Para além da situação em Timor-Leste, Max Stahl foi repórter de guerra, chegando a ser ferido nos Balcãs. O primeiro trabalho como jornalista foi durante a guerra civil de El Salvador, onde o pai era embaixador, com várias reportagens de guerra entre 1979 e 1992.

Max Stahl vivia em Timor-Leste mas teve recentemente de viajar para a Austrália para receber tratamentos médicos. Morreu esta madrugada num hospital de Brisbane pelas 4h20 locais, vítima de doença prolongada.

c/ Lusa
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