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Opinião

Desconversa sobre o financiamento do combate à corrupção

Desconversa sobre o financiamento do combate à corrupção

José António C. Moreira

Professor da Faculdade de Economia do Porto e da Porto Business School

Seria mais um lamento, no meio de tantos outros, não fora ter origem em quem teve e, sobretudo, ter merecido a resposta que mereceu da parte do senhor Secretário de Estado da Justiça, que veio a terreiro (Facebook) defender a honra do Governo. Um artigo de José Moreira, neste espaço semanal a cargo do Observatório de Gestão da Fraude e da Corrupção

Ao longo da legislatura, sempre que confrontado com a necessidade de intensificar o combate à corrupção, o Governo, geralmente pela voz do próprio primeiro-ministro, fez juras de que essa era uma Prioridade (com P maiúsculo), um desígnio nacional, e de que não faltariam “armas” para usar nesse combate. Formuladas em bom “politiquês”, tais juras proporcionavam aberturas de telejornais e belas capas de jornais. As queixas de falta de recursos para manter e intensificar tal combate, quando conseguiam fazer-se ouvir por entre a espuma dos dias, tendiam a ser secundarizadas, desvanecendo-se sem fazerem ondas.

A entrega do Orçamento Geral do Estado (OGE) na Assembleia da República foi, metaforicamente, o tiro de partida para uma tentativa de última hora, por parte dos comensais desse Orçamento, no sentido de conseguirem obter correções em alta dos fundos que lhes foram atribuídos. Muitos foram os lamentos que por estes dias se foram ouvindo, abundantes as reivindicações de última hora sobre a escassez de recursos alocada.

Um dos lamentos de insuficiente dotação no OGE, a que o jornal Público deu saliência na sua edição online de 23 de outubro, foi a do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que chamava a atenção para a falta de investimento – em recursos humanos, informáticos e financeiros – no combate à corrupção e ao crime económico. Nada de substancialmente novo, pois é queixa que, aqui e ali, se foi escutando ao longo do tempo, nomeadamente no decurso da investigação de grandes processos judiciais (e.g. caso BES, caso Marquês), justificando, então, em parte, a lentidão inerente.

Seria mais um lamento, no meio de tantos outros, não fora ter origem em quem teve e, sobretudo, ter merecido a resposta que mereceu da parte do senhor secretário de Estado da Justiça, que veio a terreiro (Facebook) defender a honra do Governo. Para o dito governante, a queixa de falta de recursos estaria “em linha com os habituais queixumes de sectores sindicais e de responsáveis por estruturas redundantes que consomem muitos recursos e produzem insuficientemente”. Lê-se, relê-se, não se acredita.

Qualquer que seja a perspetiva por que se olhe esta intervenção, ela apresenta-se como não aceitável. Numa perspetiva estrita de análise, tendo por pano de fundo a separação de poderes prevista na Constituição, o poder Executivo, consubstanciado no Governo, não pode intrometer-se na organização e funcionamento corrente do poder judicial, onde se enquadra o DCIAP.

Numa perspetiva mais lata, em que compete ao Governo zelar pelo bom uso dos recursos públicos, a existir o desperdício de recursos referido, competir-lhe-ia, através da maioria parlamentar que o sustenta (sustentava), agir no sentido de reformar a estrutura judicial, ou partes dela, o que obvia, também, que seja aceitável a intervenção do senhor secretário de Estado.

Afirmar que a falta de recursos nesta área de combate ao crime financeiro e à corrupção resulta da existência de estruturas redundantes e da insuficiente produtividade, sem qualquer justificação plausível que explicite a incapacidade do Governo para lhe colocar um cobro, soa a “desculpa de mau pagador”, a desconversa sobre o real problema da falta de recursos em tão importante área.

Olhando para muitas outras áreas da Administração Pública, como por exemplo o Instituto dos Registos e do Notariado, onde sobressaem os atrasos inconcebíveis na emissão de passaportes e cartões de cidadão, por falta de meios informáticos e recursos humanos, não custa aceitar que, pelo menos em parte, o diretor do DCIAP tem razão nas suas queixas de falta de recursos. Entretanto, enquanto figuras como a do referido secretário de Estado vão desconversando, a corrupção e o crime financeiro vão grassando, impunes.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jantonio@fep.up.pt

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