Não há muitos jogadores como Gerard Piqué. Aos 34 anos, o catalão já tem o estatuto para dizer o que pensa, com uma inteligência e sagacidade que nem sempre estamos habituados a ver em futebolistas - não por não a terem, mas muitas vezes por não quererem ter problemas com adeptos e clubes.
Piqué já passou há muito essa fase, o futebol é importante mas não é tudo na sua vida, dele sabemos o que pensa, inclusive a nível político - a entrevista que deu esta semana ao “El País” é disso prova cabal, numa altura de muitas dúvidas em Barcelona.
Em dia de clássico com o Real Madrid, o primeiro em mais de uma década sem Messi ou Cristiano Ronaldo nos respetivo planteis, o capitão do Barcelona pouco falou do jogo que, admite, ainda é o que o entusiasma mais. Há muitos mais temas, talvez todos eles mais atuais e essenciais que o duelo. Falou-se do presente e do futuro do clube, do adeus de Messi, da sua própria reforma e houve também críticas abertas a Josep Maria Bartomeu, o anterior presidente do Barcelona, que deixou o emblema catalão mergulhado numa enorme crise financeira e desportiva.
“O triplete de 2014/15 saiu-nos caro. Em janeiro desse ano, a intenção de voto para o Bartomeu era de menos de 1% e depois ganhou as eleições. É uma lição para todos os sócios: os resultados não são tudo”, disse Piqué, quando questionado sobre a nova realidade do clube que, sublinha, “acontece pela gestão dos últimos anos, é evidente”.
“A covid-19 dá para esconder certas coisas, mas não para esconder tudo. Essa é a crua verdade”, assume o jogador, sem filtros, não escondendo também o enfado quando o jornalista lhe pergunta se os altos salários praticados pelo clube não foram também uma das razões da derrocada: “Que pessoa não luta por ter um salário melhor? Esse populismo mata-me. Todos lutamos por isso, é a lei da vida. Não é pelos nossos salários e isso é muito fácil de provar”.
Piqué é neste momento uma das figuras do choque de gerações que vive o Barcelona, sendo o mais velho de um plantel onde despontam vários jovens como Ansu Fati, Pedri, Gavi ou Nico. Ainda assim, o central diz não se sentir “um veterano”, apesar dos factos lhe lembrarem disso todos os dias.
“Há dias vi que era o jogador mais velho do Barcelona a marcar um golo nas competições europeias e isso deprimiu-me. Preferia nem o ter marcado. Mas depois vi que era o defesa com mais golos na Champions, ao lado do Roberto Carlos, e fiquei melhor”, assume, frisando que sente que ainda pode “competir contra os melhores”, que não se vê como “inferior” e que enquanto for assim vai continuar a jogar.
Onde não se vê é a aquecer o banco do Barcelona. Quando esse momento chegar, é quando Piqué vai começar a pensar no adeus: “Já tenho uma idade e quando vir que já não sou tão importante vou-me embora. Vou retirar-me no Barcelona, isso é certo. O que não vou aceitar é retirar-me sendo suplente. Se forem os três últimos meses de uma temporada, não há problema. Mas um ano inteiro no banco? Não, não me apetece”.
O adeus de Messi e a crise do Barça
Falando quase como um diretor e não como jogador - afinal de contas, um dos sonhos do central é ser presidente do Barcelona -, Piqué reconhece a dificuldade em lidar com a saída de Lionel Messi, não só por ser o “melhor jogador da história” do clube, mas também pelo desafio que é substituir alguém que trazia tudo à equipa.
“É importante ver como reage o clube. O Real Madrid, quando o Cristiano foi embora, também teve um ano que nem de baliza aberta fazia golos. Vivemos do Leo durante muitos anos e agora temos de encontrar novas referências. O problema é que o Leo dava-te tudo. Há jogadores que te dão golo, outros o um contra um, outros a capacidade de passe, outros as desmarcações… o Leo fazia isso tudo. Por isso vai ser preciso encontrar muitos jogadores que te possam dar o que antes um apenas fazia”, sublinha o defesa.
Outra coisa que não estamos propriamente habituados a ver é um jogador a dar opiniões sobre a melhor gestão para o clube onde joga, mas Piqué não é necessariamente um leigo na matéria, tendo até já participado num programa na área da prestigiada Harvard Business School. E o central acredita que para sair do buraco o clube tem de continuar a investir.
“O plano passa por cortar salários, sim. Isso está bem. Mas também há que investir para trazer talento. Se não há um tostão, é preciso criá-lo e encontrar fórmulas para conseguir essa entrada de dinheiro”, frisou. “É um desafio importante para esta direção. Não há outra solução: é preciso investir. Por isso é que acho importante a construção do novo estádio, porque temos de crescer”.