Sociedade

Porque é que alguns médicos ainda têm reservas quanto aos genéricos?

Associação Portuguesa de Medicamentos quer que nos próximos cinco anos,seis em cada 10 utentes optem por comprar medicamentos genéricos
Associação Portuguesa de Medicamentos quer que nos próximos cinco anos,seis em cada 10 utentes optem por comprar medicamentos genéricos
Getty Images

Estratégia: Apesar de representarem quase metade do mercado de medicamentos em Portugal, especialistas defendem ser necessário aumentar a prescrição para poupar recursos e investir mais

Francisco de Almeida Fernandes

Com maior esperança média de vida e custos cada vez mais elevados na saúde, os três principais desafios do sector passam pela garantia da acessibilidade dos doentes aos cuidados médicos, disponibilidade farmacológica e sustentabilidade dos sistemas de saúde. São também três áreas para as quais os medicamentos genéricos estão convocados, pelo papel determinante que podem ter, consideram os peritos. Porém, existem ainda barreiras que importa ultrapassar e que dificultam o crescimento deste mercado, nomeadamente ao nível do sistema de incentivos atribuídos pelo Estado às farmácias e na melhoria da confiança dos clínicos em relação a estas terapêuticas. “Não sei porque é que alguns médicos têm reservas”, critica António Vaz Carneiro, que defende existir uma clara demonstração científica da qualidade, segurança e eficácia destas opções.

O presidente do Conselho Científico do Instituto de Medicina Baseada em Evidência refere-se aos dados de um novo estudo que avalia a perceção dos utentes, médicos de família e farmacêuticos sobre genéricos. O documento — apresentado na quarta-feira no evento Desafios Genéricos da Saúde, promovido pelo Expresso com apoio da Apogen — mostra que uma pequena percentagem de especialistas em medicina geral e familiar admite ter dúvidas sobre a eficácia destes medicamentos (ver caixa com números e conclusões), apesar da larga maioria reconhecer vantagens na sua utilização. “Não há razão absolutamente nenhuma para que tenhamos alguma dúvida sobre a qualidade, segurança ou eficácia dos genéricos”, assegura o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo.

Susana Vargas, representante da Ordem dos Médicos, lembra que “os níveis de adesão muito elevados” da população aos chamados remédios de linha branca devem-se também ao contributo dos clínicos. A responsável reconhece ainda que “não é raro ver doentes que não têm dinheiro para comprar medicamentos” e que reconhecem que “a saúde é cara” dando força aos benefícios destes fármacos. “É preciso apostar em campanhas, demonstrar que o resultado [entre medicamentos] é idêntico e que os custos são muito menores com a prescrição de genéricos”, diz. António Vaz Carneiro, embora se mostre relutante sobre a validade das dúvidas apresentadas pelos colegas, afiança, porém, que “gostava de ter mais ensaios clínicos diretos, em que na mesma doença se comparasse o genérico diretamente com o medicamento de marca”. Mais literacia e sensibilização são, acredita, essenciais.

A perspetiva farmacêutica é, contudo, diferente. Se é verdade que, segundo o estudo da Apogen com a GfK, este é o grupo que apresenta maior confiança na prescrição de genéricos, é igualmente a classe que pede uma revisão no sistema de incentivos à dispensa de genéricos. Atualmente, as farmácias recebem do Estado €0,35 por cada medicamento equivalente vendido, valor que Luís Lourenço, da Ordem dos Farmacêuticos, acredita não valorizar o suficiente a colaboração destes profissionais. Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias, adiantou, durante o evento, que este mecanismo “será alvo de revisão” no Orçamento do Estado para 2022 e admite ser necessário “valorizar” a intervenção das farmácias. Apesar de ainda não ser conhecida a proposta de alteração do Governo, o secretário de Estado da Saúde, Diogo Serras Lopes, assegura que o Executivo pretende “criar as condições necessárias” para o aumento de quota de mercado dos genéricos. “Essas condições passam por melhorar a prescrição ou o modelo de comparticipação dos medicamentos e os incentivos para o uso dos genéricos”, afirma.

Tratar mais e melhor

Ao longo dos últimos 10 anos, entre 2011 e 2020, o montante total poupado ao Estado e às famílias pela utilização destes fármacos ronda €4,3 mil milhões, o equivalente à despesa do SNS com medicamentos em dois anos. Ainda assim, mais do que falar em poupar, os especialistas preferem falar em redirecionar esse dinheiro para investimentos no sistema de saúde, melhorando a acessibilidade dos utentes e a prestação de cuidados. Por outro lado, dizem, os genéricos podem ajudar a resolver quebras de stock e melhorar a sustentabilidade do SNS, não só por via das poupanças, mas também pela libertação de fundos para a investigação e inovação científicas.

“Estes medicamentos promovem um acesso mais equitativo, são mais custo-efetivos, tratam um maior número de pessoas com o mesmo custo e libertam mais recursos financeiros para financiar a inovação”, explica ao Expresso Maria do Carmo Neves.

A presidente da Apogen acredita que Portugal tem potencial de crescimento e que deve ter na Alemanha o seu ponto de referência, atingindo, pelo menos, seis em cada 10 portugueses. Porque “a quota de mercado dos genéricos na Alemanha ultrapassa os 70%”, enquanto por cá está fixada nos 48,7%.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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