O jovem que não sabia que era capitalista

Assim se explicava que aqueles que responsabilizavam a burguesia capitalista pelos males do mundo não tenham senão imitado – quando não superado – o seu modo de vida: dirigentes comunistas, intelectuais marxistas, cardeais, papas e atores de Hollywood com remorsos sazonais de consciência.

por João Cerqueira

Era uma vez um jovem que odiava o sistema capitalista, os mercados, a globalização e o consumismo burguês. Para ele, tudo isso significa pobreza, opressão e exploração – em suma, a desgraça da humanidade. Com muito orgulho, frequentava os acampamentos de Verão do BE e ouvia embevecido as palestras anticapitalistas, além de nunca faltar à Festa do Avante! com a sua t-shirt de Che Guevara. Havia, sim, uma alternativa ao capitalismo e não faltaria muito para o sistema ruir. E contribuía ativamente para essa derrocada convencendo as vítimas do capitalismo de que andavam a ser enganadas.

Tudo corria bem, muitos fiéis já convertera, até que um dia se deparou com uma incrédula que, além de rejeitar a boa nova, ripostou com má-fé e demagogia.

Disse-lhe que não se podia diabolizar o sistema capitalista e financiá-lo ao mesmo tempo. Isso tornava-o igual ao padre que pregava a virtude e depois ia ter com a amante. Um hipócrita. Pois qualquer pessoa que tivesse um carro, uma televisão, um computador, um cartão de crédito, usasse roupa e sapatos, comprasse remédios, e se abastecesse nos supermercados estava a financiar o sistema capitalista, fazia parte dele e, sobretudo, não desejava qualquer outro sistema alternativo como a troca direta de produtos ou as senhas de racionamento do países comunistas.

O sistema capitalista não era um dragão que vivia numa gruta, raptava donzelas e lançava chamas sobre os pobres. O sistema capitalista não era apenas Bill Gates, Jeff Bezos e demais magnatas. O sistema eram os milhões de pessoas que produziam bens e serviços e os biliões que os compravam ou deles usufruíam. Ou seja, o sistema capitalista era a própria espécie humana que, em total liberdade, ambicionava a melhor qualidade de vida, o maior conforto e os mais requintados prazeres para si e para os seus. O sistema capitalista era a melhor solução encontrada pelo ser humano para melhorar a sua vida, para se realizar e ser feliz. Produzira não apenas riqueza e tecnologia, mas também a mais elevada arte, literatura, música e cinema. Possibilitara ainda o nascimento da democracia, dos direitos humanos e da igualdade entre os sexos. E todas as alternativas ao capitalismo liberal redundaram em tirania, corrupção e miséria.

Assim se explicava que aqueles que responsabilizavam a burguesia capitalista pelos males do mundo não tenham senão imitado – quando não superado – o seu modo de vida: dirigentes comunistas, intelectuais marxistas, cardeais, papas e atores de Hollywood com remorsos sazonais de consciência.

E, então, não havia ninguém que rejeitasse o conforto capitalista, o luxo e a riqueza? Sim, havia: os monges budistas, os franciscanos, as freiras e os membros de seitas que se exilavam em locais remotos (os seus gurus também não eram bons exemplos de abnegação e desprendimento dos bens materiais). Além de, claro, as tribos selvagens que nunca tinham visto uma garrafa de Coca-Cola.

Perturbado, o jovem recorreu ao seu habitual método para se libertar do stress: foi passear no shopping. E dentre as lojas da grande Meca do consumo, nenhuma o acalmava mais do que a Fnac e a sua irresistível parafernália de produtos tecnológicos. E foi então, já totalmente relaxado pela visão cintilante dos últimos computadores, televisões, máquinas fotográficas e iPhones, que se deparou com o seu brinquedo favorito: os telemóveis.

Afinal, o capitalismo era como as alheiras – comer uma de vez em quando, ou comprar algo de quando em vez, não fazia mal nenhum. E aquele novíssimo telemóvel com os mais recentes prodígios da tecnologia, aquele extraordinário objeto mágico cujas potencialidades pareciam infinitas, concebido na América e montado na China, com a empresa cotada em Wall Street e as ações a disparar, estava mesmo a pedir para ser comprado.

Dali a nada, o jovem estava a ligar o seu novo telemóvel, a entrar nas redes sociais e a desancar o horroroso capitalismo. Há muito tempo que não se sentia tão feliz.