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“Futebol, o jogo simples”, um conto de Vítor e Fábio

Houve um par de jogadores a bisarem na goleada (5-0) do FC Porto contra o Moreirense. Ambos, porém, usufruíram antes do carregador ambulante de simplicidade que tomava conta das jogadas depois do simplista-mor as desatar até aos últimos 30 metros do campo. Vitinha e Fábio Vieira foram titulares pela primeira vez esta época e a bola (e o FC Porto, por arrasto) viveu melhor com a simplicidade que têm nos pés

Diogo Pombo

MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA

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Vítor Ferreira tem qualquer coisa de especial, dizer que é diferenciador é redutor porque todo o par de pernas comandado por uma cabeça pensante injeta coisas diferentes nisto que é jogado por humanos e não máquinas, mas aquele cujo nome futebolístico é um diminutivo carrega em si um aumento exponencial de possibilidades para cada bola que tenha nos pés e esteja virado com ela para a baliza. Se, tão só, houver um metro de espaço para o adversário mais próximo, é o suficiente para arreliar os outros.

A mão e o braço direito que ergue, baloiçando-os inconscientemente, a cada pequeno toque na bola, a cada pequeno passo, parecem a pega numa batuta invisível e isso é o que o português dá, se posto em campo: um infindável compêndio de controlo de bola em movimento, atraindo adversários a si quase como dogma e precipitando-se, por vezes, contra a maralha, até ao momento certo de soltar um passe, pedir uma tabela, tocar e ir, fazendo o mais difícil em tudo o que faz, que é jogar simples, com ações simples. Se exemplos há muitos, fiquemos com o do minuto 32.

O FC Porto encavalitara-se sobre o Moreirense na área, depois de uns três cruzamentos sucessivos que não tiveram pouso no retângulo e sobraram para alguém portista, para a equipa voltar a tentar desbravar caminhos entre os corpos de um adversário forçado a comprimir-se em bloco baixo. A bola chegou a Vitinha. Mesmo à entrada da área, avançou aos passinhos na direção de um contrário, no momento em que parecia ser roubado tornou-se o ladrão das ilusões, forçou essa nesga de espaço e tentou tabelar com um companheiro na área. A bola foi-lhe devolvida com mescla de intenção e ressalto para o médio, tendo de decidir rapidíssimo, picar um passe para Tahremi.

O iraniano seria derrubado, um penálti apitou-se e dele o avançado fez o 1-0. Vitinha não marcou um golo, nem sequer o assistiu, mas provocou-o. Resumi-lo numa palavra é chamar-lhe isso mesmo, Vitinha foi um provocador nos 43 toques que dá na bola até ao intervalo, mais do que ele (47, diz a contagem do WhoScored.com) só Mbemba, um defesa, que está confortável no início de todas as jogadas, não um médio, como o português é, que joga futebol saltando para locais onde as receções podem ser desconfortáveis pela aparente falta de espaço e a muita pressão da qual pode ser alvo.

Com ele, o FC Porto tem outra gerência da posse e tendo-o sempre por onde a bola está causa dúvidas nos adversários — salto na pressão ou fico? tento adivinhar o passe? vou à queima ou faço contenção? —, e, duvidar, com o jogo em andamento, é o que Vitinha força em quem o defronta. Na jogada do primeiro golo, quem também esteve metido no aproveitamento de uma dúvida e tabelou com o médio, com ressaltos à mistura, foi Fábio Vieira.

O canhoto jogou metros à frente de Vitinha, por definição a deambular nas costas de Taremi ou a trocar posições com Otávio, ou Luis Díaz, mas, na prática, a acercar-se sempre da bola, não tanto para lhe ditar a vida virado para a baliza, mais para a esperar pacientemente entre linhas, onde as suas receções iam fazendo mossa a um Moreirense que nunca esteve no Dragão, por vontade própria, a linha defensiva colada à área.

CARMELO ALEN/Getty

Se Vitinha era o ordenador da bola nos 70, 65 metros iniciais do campo, o primeiro causador de desequilíbrios, Fábio Vieira era quem, depois, os aproveitava para acelerar as jogadas que não iam logo ter com a inspiração ziguezagueante do extremo colombiano. Era o último autor de um adversário a ser fixado para a bola entrar no espaço onde deveria ser rematada à baliza. E com o decair do Moreirense, atrevido nos 45 minutos iniciais com chegadas diversas à área portistas, em transições rápidas, mas a desorganizar-se aos poucos com tanta correria atrás da posse dos outros, coisa que cansa e desgasta, o FC Porto usufruiu mais ainda do par de rapazes de 21 anos.

Pressionados e obrigados a recuar numa posse de bola, o Moreirense recorreu ao guarda-redes, mas, vendo Taremi a aproximar-se, Passinato despachou a bola com um chutão que Fábio Vieira amansou na relva, com a leveza de um toque que lhe permitiu continuar a passada em frente e ir correndo, até fixar Rosic para quando libertasse a bola, Luis Díaz tivesse todo o espaço para curvar (51’) o 2-0. Isso mais evidente foi após um lançamento lateral do Moreirense, perto da área do FC Porto, quando a equipa recuperou a posse e zarpou até a colocar na corrida de Fábio Vieira, que esperou, esperou e esperou na condução da bola até ao mais acertado dos momentos, em que a voltou a passar ao colombiano (66’), para o 3-0.

Um carregador ambulante de simplicidade a tomar conta das jogadas depois do simplista-mor as desatar nos primeiros dois terços do campo, assim se enchia o FC Porto de vida em tudo o que fazia de ofensivo.

Num canto não batido para a área, os portistas preferiram tocar a bola curta e ela chegaria a Vitinha, que correu da esquerda para o centro e disparou um forte remate às mãos de Passinato. O guarda-redes amanteigou a sua ação, não agarrou a bola e Taremi chapelou (71’) o 4-0. Antes, com toda a calma, Fábio Vieira inventara um remate potente, mas curvado, que rasara o ângulo superior da baliza. Depois, com a equipa a tricotar pequenas combinações de passes à direita, foi dele a pequena diagonal no espaço entre central e lateral para romper com a calma, receber a bola de Francisco Conceição e cruzá-la (77’) rasteira para Pêpê se estrear a marcar, no 5-0.

Nenhum jogador, ou nenhum par deles, concentram em si o que é um jogo — neste houve, também, a boa primeira parte do Moreirense, rápido a utilizar as bolas recuperadas e a livrar-se dos primeiros cercos de pressão; a reação esburacada do FC Porto às perdas de bola, até ao intervalo; houve a cada vez melhor forma de Luis Díaz a ser demonstrada; e houve o retorno de Marcano ao centro da defesa. Mas o que houve especialmente, porque ainda não tinha havido esta época e veremos se haverá, mais vezes, daqui em diante, foi a titularidade de Vitinha e Fábio Vieira.

Os dois mantiveram-se sempre perto da bola como resposta, mostrando como o futebol atacante flui tão melhor numa equipa quanto maior for a simplicidade e qualidade dos toques que forem dados na bola. Estes dois franzinos e pequeninos fizeram-no em quase todas vezes que interagiram com ela e o FC Porto goleou. Mais do que isso, o FC Porto jogou outro futebol — o da simplicidade.