Governo avança sete critérios para se dar contrato aos estafetas

Presunção de laboralidade para trabalhadores das plataformas digitais assenta em indícios como controlo da actividade ou poder disciplinar, mas pode ser contestada.

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Rui Gaudencio

Alguém que presta serviços de transporte ou de entrega de bens como estafeta através de plataformas digitais como a Uber, Glovo e outras, poderá ver reconhecida em Portugal a existência de um contrato de trabalho se se verificarem alguns ou todos os indícios que vierem a ser definidos por lei. O Governo apresentou sete critérios, nesta sexta-feira, aos parceiros sociais, mas a discussão, embora já venha de trás, ainda vai no adro.

No documento entregue esta sexta-feira na reunião do conselho permanente da Concertação Social, o Governo concretiza melhor a intenção que tinha deixado expressa na proposta inicial da sua Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho. Na primeira versão, entregue aos parceiros a 21 de Julho, o Governo defendia a “criação da presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere”. Agora, clarifica a proposta avançando que esta presunção não se baseia num critério único – “a relação com a plataforma” – mas sim em “um conjunto de indícios”.

E avança com sete exemplos, três relativos à relação entre a plataforma e o trabalhador e outros quatro relativos à relação entre os consumidores e os trabalhadores.

Na primeira dimensão serão tidos em conta indícios como a “fixação de retribuição para o trabalho efectuado ou a definição de limites máximos e mínimos"; o “controlo em tempo real da actividade, nomeadamente através de um sistema de geolocalização contínuo e de uma gestão algorítmica"; e o “exercício de poderes sobre o prestador, nomeadamente o disciplinar, incluindo a exclusão de futuras actividades através da desactivação da conta em função de avaliação considerada como insuficiente”.

Na segunda dimensão, serão considerados indícios como o facto de o processamento do pagamento dos clientes não ser feito por quem presta o serviço; o prestador não actuar em nome próprio, prestando a sua actividade “inserido numa organização e sob uma marca utilizada no mercado"; ou se a comunicação entre clientes e o prestador da actividade não for gerida pelo prestador. Finalmente, a “existência de controlo da qualidade dos resultados atingidos pelo prestador da actividade fornecendo-se aos utilizadores a avaliação ou o rating dos mesmos” é um quarto indício a ter em conta neste grupo de critérios.

Quantos destes critérios têm de ser verificados? O Governo não esclareceu, mas declarações da titular da pasta do Trabalho sugerem que pode bastar a verificação de alguns deles. Aliás, os sete indícios são referidos no documento como “exemplos de factores que podem constar de uma presunção de laboralidade”, o que sugere que este leque não está sequer fechado. Para o executivo, o que importa é “clarificar” a intenção que tinha sido expressa do documento inicial.

Questionada sobre o que acontece quando os estafetas preferem manter-se a trabalhar fora da relação jurídica de um contrato, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho não esclareceu, sublinhando contudo que, tratando-se de uma presunção, ela pode sempre ser contestada nos termos da lei.

“O objectivo é garantir que os trabalhadores estão cobertos pelas regras do contrato de trabalho e abrangidos pelo sistema de protecção social. Hoje apresentamos a presunção e os indícios que devem estar verificados, à semelhança da tendência europeia e mundial. Há uma presunção de laboralidade sempre que verificados alguns destes requisitos aqui tipificados, que mostram a dependência que existe do trabalhador em relação à plataforma. Sendo uma presunção, pode ser ilidível.”

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