Cultura

Cultura. Conversas com Alexandre O'Neill, nos 35 anos da morte do poeta

31 julho 2021 12:30

Discretíssimo, algo arisco, por vezes desconcertante, Alexandre O’Neill (1924-1986) era um entrevistado difícil, mas de uma coerência à prova de bala

inácio ludgero/o jornal

Cobrindo um arco temporal de mais de quatro décadas, “Diz-lhe que Estás Ocupado” reúne as conversas, nem sempre lineares, que o poeta de “Feira Cabisbaixa” foi concedendo aos jornais portugueses

31 julho 2021 12:30

Em 1944, aos 19 anos, Alexandre O’Neill deu a primeira entrevista a um jornal (“O Castelovidense”) na qualidade de poeta. O tom é sério, talvez até demasiado sério, mas, no formalismo algo rígido das respostas, encontramos muitos dos elementos que permanecerão no seu discurso público durante as quatro décadas seguintes. Sobre a poesia portuguesa: “Julgo que, de um modo geral, nos faltam disciplina e lucidez. Não venho negar, é claro, as tais ‘superiores qualidades poéticas’ do português — seria absurdo — mas insisto em denunciar (não se esqueça de que conto com as exceções) a ausência daquela disciplina que torna possível o maravilhoso equilíbrio de um Rilke, por exemplo.” Mais à frente, antes de “reafirmar” que vê em Vitorino Nemésio “um grande poeta, bastante esquecido”, proclama: “Aqueles que, invertendo a posição dos problemas, continuam a considerar o movimento modernista como ‘o quebrar da férrea tradição formal’ e outras coisas semelhantes, ignoram ou esquecem o que significa revolução.” Estávamos, é bom lembrar, a quatro anos do surgimento do Grupo Surrealista de Lisboa, de que o muito jovem O’Neill fez parte com Mário Cesariny, António Pedro e José-Augusto França, entre outros.

Ao longo dos anos, O’Neill responderá a muitas perguntas sobre a sua participação, e precoce afastamento, da tardia aventura surrealista portuguesa, que o próprio definiu como “uma reação à chateza da poesia neorrealista”. Assumindo que o “destino comum de todos os surrealismos” é a “dissidência”, o autor de “A Ampola Miraculosa” (1948) questiona até se terá chegado a ser, de facto, um verdadeiro poeta surrealista. Logo depois de admitir que em muitos dos seus poemas encontramos “uma certa exploração do absurdo e uma desarticulação do discursivo que estão próximas das démarches do surrealismo”, acrescenta um perentório “e nada mais”.