Ele há dias de trabalho complicados. Perguntem a Caeleb Dressel. Ser um predestinado na natação tem destas coisas, é-se bom em tantas provas que o problema é arranjar espaço no calendário para as fazer todas e o programa de festas este sábado era particularmente apertado.
Às 10h30 em ponto chamam o homem pela primeira vez no Centro Aquático de Tóquio. É favorito nos 100 mariposa. Há o perigo Kristof Milak, mas o húngaro é craque sobretudo nos 200 mariposa, onde já foi ouro nestes Jogos. Dressel lança-se à água e 49.45 segundos depois o relógio pára. Não só o norte-americano é ouro, o seu segundo individual nestes Jogos, como nunca ninguém o fez com tanta pressa - o recorde mundial já era seu desde os Mundiais de 2019 e agora foi aprimorado, com menos 5 centésimas de segundo que a anterior marca.
Na sua cara, aquele sorriso brilhante, madrepérola, mas não propriamente a exaltação que se viu, por exemplo, em Tatjana Schoenmaker, a sul-africana que bateu o primeiro recorde individual nos Jogos Olímpicos, há coisa de 24 horas. Para o norte-americano é mais um dia no escritório e a primeira tarefa está completa.
Voltou a picar o ponto ali pelas 11h05, para receber a respetiva medalha de ouro, com a aquela máscara que faz os atletas norte-americanos nos pódios parecerem algo aparentados com o vilão Bane da saga Batman. A volta de consagração foi curtinha, duas ou três fotos, mais uns acenos em direção à comitiva dos Estados Unidos, barulhenta, sempre, a substituir o público e ala que é Dressel. Porque às 11h16 tem de nadar a segunda meia-final dos 50 livres.
É mais um pró-forma. Naquela que é a prova mais rápida do programa olímpico da natação, faz os 50 metros em pouco mais de 21 segundos. Final no bolso e atira-se para a piscina dos saltos para a água para recuperar. Ali se demora, vira os quatro estilos, a descansar os músculos e a respiração, completamente alheado do que se passa ao lado, porque daqui a meia-hora está na última perna da estafeta 4x100 estilos mista dos Estados Unidos.
Ledecky em grande companhia
Enquanto Caeleb Dressel andava a fazer piscinas, literal e figurativamente, olhos postos na final dos 800 metros femininos. Em condições normais, Katie Ledecky seria favorita, rainha absoluta, não dá para mais ninguém. Mas a norte-americana tinha Ariarne Titmus umas pistas ao lado, a miúda australiana que a bateu nos 200 e 400 livres. Portanto, nada de vencedores antecipados.
A verdade é que nas distâncias mais longas Ledecky ainda está um passo à frente. Teve o melhor tempo de reação à partida e liderou sempre a prova, ainda que com Titmus constantemente à coca. Só nos últimos 50 metros houve reação da australiana, mais velocista que Ledecky, mas a vantagem da atleta de 24 anos já era tal que não havia forma do terceiro título consecutivo nos 800 livres lhe escapar, tal como não escapou há nove anos em Londres, quando era uma menina de 15 anos, e não escapou no Rio, quando já era uma consagrada.
E com isto Ledecky entrou num dos mais exclusivos clubes da natação, aquele que alberga os nadadores que venceram a mesma prova em três Jogos Olímpicos. Estão lá Michael Phelps, que ganhou os 200 estilos quatro vezes, de Atenas 2004 até ao Rio 2016, a australiana Dawn Fraser, vencedora dos 100 livres em 1956, 1960 e 1964 e a húngara Krisztina Egerszegi, ouro nos 200 costas em 1988, 1992 e 1996.
E agora Katie Ledecky.
Advance Australia Fair
Pelo meio, a final dos 200 costas veio dar corpo ao passo em frente da Austrália na natação - principalmente no setor feminino - depois de uns Jogos do Rio em que venceu apenas três medalhas de ouro. Kaylee McKeown, de apenas 20 anos, juntou o título dos 200 aos dos 100 costas, Kylie Masse do Canadá foi 2.ª e o bronze foi para outra australiana, Emily Seebohm. As norte-americanas? Em 4.º e 5.º lugar.
Após o pódio, onde se ouviu novamente "Advance Australia Fair", o belíssimo hino do país, houve outro hino, "Locomotion", o hit dos anos 80 de outra australiana, Kylie Minogue. A Austrália tem já sete títulos olímpicos nas piscinas do Centro Aquático de Tóquio, apenas menos um que a incontestada maior potência da modalidade, os Estados Unidos.
Corte para o fim da sessão e para a aguardada final dos 4x100 estilos mistos, pela primeira vez no programa olímpico. E onde se esperava mais uma medalha para Caeleb Dressel. Errado: quando o velocista entrou na piscina na última perna, os Estados Unidos eram sétimos. Dressel ainda evitou o possível escândalo, mas não o suficiente para chegar a medalha: os norte-americanos foram apenas quintos, o ouro foi para a Grã-Bretanha (com recorde do Mundo), a prata para a China e o bronze para a Austrália.
Podia ter sido um dia perfeito para Dressel, mas foi só muito bom. Não necessariamente por sua culpa.