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Euro 2020 - descrição

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Euro 2020

Bence Biró é húngaro, jogou seis anos em Portugal e deixa o aviso: "A Hungria não tem nada a perder"

O jovem de 22 anos fez grande parte da sua formação na academia do V. Guimarães, onde jogou até à equipa B. Em 2020 voltou a Budapeste, ao MTK, e foi numa viagem de carro entre Portugal e a Hungria que falou com a Tribuna Expresso e lembrou que o grande ponto forte da seleção do seu país está no coletivo e no "12.º jogador" que vai estar nas bancadas da Puskás Arena

Lídia Paralta Gomes

Laszlo Szirtesi/Getty

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De Guimarães a Budapeste, se estivermos montados num genérico automóvel, são 2.870 quilómetros, por estradas de seis países, é o que diz a mais conhecida das aplicações de mapas que conhecemos no éter da internet. Essas estradas passam pelo País Basco, depois segue-se rumo à bela Côte d’Azur francesa, para logo o carro se meter pela Itália industrializada e depois pelas montanhas da Eslovénia, antes de se entrar na espantosa e imperial capital da Hungria.

Todo esse caminho foi feito nos últimos dias por alguém que, algures em 2014, fez o percurso contrário, de Budapeste para Guimarães. Bence Biró tinha então 16 anos e o convite para trocar o futebol húngaro pela formação em Portugal foi demasiado tentador. Por cá ficou seis anos, até voltar para o seu país em 2020, para jogar no MTK Budapeste, o mesmo que os portugueses conhecem como o adversário do Sporting na final da Taça das Taças de 1964, o único título europeu da equipa de Alvalade.

Mas por cá Bence Biró deixou amigos. A sua namorada também é portuguesa e nas últimas semanas estiveram em Portugal de férias. No fim de semana meteram-se à estrada para regressar à Hungria, 2.870 quilómetros de alcatrão.

É algures a meio da viagem que Biró nos atende o telemóvel. Está perto de Nice. “No total, a viagem são 26 horas. Mas vamos parando, por isso é tranquilo”, conta-nos. Esta terça-feira, diz, será mais um húngaro dividido quando às 17h (hora de Lisboa) a nação que o viu nascer e aquela que o fez profissional entrarem em campo na Puskás Arena.

“Pois é… já foi assim em 2016, já passei por isto”, diz o avançado de 22 anos. É claro que, na hora da verdade, o coração pende sempre para casa. “A minha primeira opção é que a Hungria ganhe, mas também não fico muito triste se Portugal ganhar. Quero que passem os dois, isso era o ideal”, continua, antes de refrear um pouco o otimismo: “É pouco provável para a Hungria, porque o grupo é muito difícil. Mas se não for a Hungria, que Portugal ganhe o Euro”.

O antigo atacante do V. Guimarães, que jogou dos sub-17 até à equipa B dos minhotos, avisa que “no papel a Hungria é a equipa mais fraca” do estratosfericamente forte grupo F, com três campeões da Europa e os atuais campeões europeus e mundiais lá encafuados, mas que nisto do futebol, já sabemos, “pode acontecer qualquer coisa”.

“Olha, por exemplo, no último Europeu, em que empatámos com Portugal”, um jogo que Biró relembra com “muita emoção”.

“Há muito tempo que a Hungria não chegava a uma grande competição antes desse Europeu e só por isso já era especial. E ainda por cima acabámos por passar a fase de grupos, que foi um extra. Aquele jogo contra Portugal foi muito emocionante. A Hungria começou a ganhar, depois Portugal empatou… foi um grande jogo. Calhou bem, no final passaram as duas equipas!”, recorda.

Biró chegou a Guimarães em 2014

Biró chegou a Guimarães em 2014

Como estava de férias, Biró viu o jogo na Hungria, mas depois do apito final lembra-se de trocar mensagens com colegas portugueses: “Eu a gozar, a dizer que bem nos podiam agradecer por terem empatado, esse tipo de brincadeiras”.

E sem aquele empate não teria havido fase a eliminar para Portugal. Nem título.

Um húngaro no Minho

Mas afinal como vem um rapaz húngaro parar a Portugal para jogar futebol? Bence Biró explica: “Tinha 16 anos e jogava no Honvéd, da Hungria. Na altura fomos a um torneio em França e nesse torneio estava também o Vitória. Correu-me bem o torneio, marquei vários golos e com isso o Vitória procurou-me. Falaram com o meu empresário e assim que surgiu a oportunidade de vir para Portugal nem hesitei”.

Por cá, as coisas começaram por ser tão complicadas como para qualquer outro rapaz de 16 anos sem saber uma palavra de português, língua com a qual agora se expressa sem dificuldade.

“A adaptação foi difícil, vim sozinho, deixei os meus pais em casa. Não falava nada de português, não é? Inglês também só um pouco. Mas tive sorte porque as pessoas foram muito simpáticas, ajudaram-me muito. No Vitória tive apoio em tudo, os colegas de equipa também ajudaram, tal como no colégio onde estava. Consegui integrar-me bem em Portugal, passo a passo fui aprendendo a língua”, relembra.

Em Guimarães encontrou uma cidade onde se sente sempre “aquele feeling de jogo, mesmo quando não é dia de jogo”.

“Sente-se muito ali, toda a gente é maluca pelo Vitória, Vitória é tudo e por isso é que a cidade é boa. Muita gente vai aos jogos e são fanáticos”, diz. Já sobre as diferenças entre o futebol português e o que encontrou quando voltou à Hungria, Biró começa por falar precisamente nos adeptos e num país em que o futebol parece começar a entusiasmar novamente quem está nas bancadas.

“Fora do campo há essa diferença nos adeptos. Em Guimarães, como já tinha dito, são malucos por futebol. Agora na Hungria já começas a ver mais gente a ir aos jogos, já começa a haver essa tradição”. Em Portugal, Bence só jogou profissionalmente na II Liga e diz que a I Liga húngara, onde joga agora, é “um pouco mais competitiva” em comparação com o segundo escalão português. “Mas em Portugal há muita qualidade de jogo, os jogadores têm muita qualidade técnica e até fisicamente. Aí a técnica é muito importante”, aponta.

O que temer da Hungria

É a pergunta para queijinho: onde pode a Hungria ferir Portugal na terça-feira? As respostas tendem a não variar muito: é no coletivo que está a força dos magiares.

“Não posso falar de um jogador só, porque acho que a Hungria é forte como equipa e isso é o ponto forte deles para este Europeu. Têm de ganhar como equipa, funcionar como equipa”, resume o avançado, lembrando outra questão essencial: “Não nos podemos esquecer que jogamos em casa e felizmente já vamos ter muitos adeptos nas bancadas. Isso vai ser uma motivação extra e o 12.º jogador em campo. Vão ter de agarrar isso”, diz Bence, explicando que a seleção húngara, onde um dia quer estar, ele que foi internacional jovem em praticamente todos os escalões, vai “dar tudo em campo, até porque é uma grande oportunidade para os jogadores húngaros” mostrarem-se neste palco.

Num grupo com Portugal, França e Alemanha, “a Hungria não tem nada a perder” e isso pode atrapalhar a vida aos favoritos.

Avançado passou por quase todos os escalões de formação da Hungria

Avançado passou por quase todos os escalões de formação da Hungria

Stuart Franklin/Getty

Falando da seleção portuguesa, Biró diz que para lá de Cristiano Ronaldo há outros jogadores a ter em conta: “O João Félix, o Rúben Dias, que vem de uma grande época e pode ser uma figura importante, com uma liderança a partir de trás. O Jota à frente e até o Pedro Gonçalves do Sporting, que fez uma grande temporada”.

Quanto às hipóteses de Portugal revalidar o título, Biró acredita que é possível. “Têm uma equipa muito boa e mostraram no último Europeu que como equipa também são fortes, como força coletiva. Acreditaram até ao fim. Porque é que não pode acontecer agora também? Acho que Portugal tem todas as hipóteses”, sublinha.

Mas, para já, é preciso jogar com a Hungria, um jogo essencial para o futuro de Portugal no Euro. Na casa luso-húngara de Biró e da namorada vai tudo correr bem? “Vai!”, diz-nos o jogador dentro do carro. Ao lado ouvem-se sons de discórdia. “Ela está aqui a dizer que não, mas vai!”. As duas bandeiras vão estar lado a lado em casa. “E no fim do jogo um de nós vai ficar feliz!”.