Não nos caiu um foguetão na cabeça, mas o espaço está cheio de lixo

As 18 toneladas de destroços do Long March-5b caíram no oceano, como esperado. Mas recordaram a todos que o espaço virou lixeira.

A ameaça que pairava sobre as nossas cabeças (literalmente), os destroços do Long March-5b, um foguetão chinês de 18 toneladas, aproximadamente do tamanho de um edifício de 10 andares, finalmente se despenharam na Terra, este domingo de manhã. Após reentrarem na atmosfera acima da Península Arábica, sendo filmados a atravessar os céus de Israel e a Jordânia, os resto do foguete acertaram no local mais provável, o oceano, nomeadamente o Índico, ao largo das Maldivas – fazendo jus à expressão “planeta azul”.

Contudo, mesmo tendo corrido tudo pelo melhor, a comunidade internacional fez questão de deixar críticas ao descuido de Pequim, numa era em que o lixo espacial se torna uma preocupação crescente. É que a órbita terrestre, há medida que cada vez mais nações acorrem ao espaço, deixou de ser um lugar vazio e desolado, mas sim uma lixeira onde enxames de milhões de pedaços de metal flutuam a alta velocidade. Desde foguetões usados, a parafusos soltos e satélites mortos – mas, nas últimas décadas, nada tão pesado com este foguetão chinês atravessara a atmosfera descontrolado. 

“As nações com atividade espacial devem minimizar o risco para pessoas e propriedade na Terra da reentrada de objetos espaciais. E maximizar a transparência no que toca a estas operações”, fez questão de frisar Bill Nelson, administrador da NASA, antigo senador e astronauta, em comunicado. “É claro que a China está a falhar em cumprir padrões responsáveis no que toca ao seu lixo espacial”.

O problema é que a queda deste foguete chinês pode ser só o primeiro de muitos momentos em que nos perguntamos se não estarão destroços espaciais prestes a cair sobre nós, por mais improvável que isso seja – o Long March-5b foi usado para levar uma secção de uma nova estação espacial chinesa, antes de ser abandonado, e esperam-se mais dez missões até 2022. 

Já Pequim, através do jornal pró-regime Global Times, caracterizou a preocupação com os restos do Long March-5b – batizado em memória da famosa retirada tática das tropas de Mao Tsé-Tung, durante a guerra civil  – como “furor ocidental”, considerando que parte dos destroços arderiam na reentrada na atmosfera terrestre.

No que toca ao South China Morning Post, o destaque era que o “lixo em órbita causa uma ameaça muito maior do que destroços a reentrar na atmosfera”. Acrescentando que Administração Nacional Espacial da China, em abril, criticou a Estação Espacial Internacional, por usar um braço robótico gigante para lançar três toneladas de baterias e lixo diverso no espaço.

O resultado podem ser perigosas colisões em órbita, pondo em risco satélites – de que dependemos para coisas tão básicas como telecomunicações e GPS – ou até o próprio futuro da exploração espacial. “A porta do espaço pode ficar completamente bloqueada para a humanidade”, avisou Feng Hao, do Instituto de Engenharia de Sistemas Espaciais de Pequim, ao SCMP. 

É um problema que não nega os riscos da entrada na atmosfera de destroços colossais como os do Long March-5b, por mais improvável que seja atingirem terra, quando mais uma zona habitada, mas não são os chineses os únicos que o apontam. Estima-se que já haja  9300 toneladas de lixo em órbita, sendo esperado o lançamento de mais de 45 mil satélites por operadores privados nos próximos anos, estando estas empresas apenas restringidas pelas regras dos países onde operam. 

“O lixo espacial é conhecido há algum tempo, mas agora tens mais competição pelo espaço. Já não tens apenas duas nações com atividade espacial – os chineses são muito significativos, bem como a Agência Espacial Europeia, entre outros”, notou Joanne Gabrynowicz, professora do National Center for Remote Sensing, Air, and Space Law, do Mississippi Law Center, ao Guardian. “Quando tens mais atores e mais coisas a acontecer, fica mais complicado”.