Rui Unas vai receber Tomás Taveira em Maluco Beleza e a apresentação do programa não foi bem recebida

O apresentador e humorista está a ser alvo de uma avalanche de críticas depois de ter considerado o arquitecto português como um homem que “não pode ser definido apenas pelas asneiras que fez na vida”.

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Rui Unas retirou a publicação em que surgia ao lado do arquitecto PÚBLICO/Cláudia Andrade

“Asneiras fazem os putos de 5 anos quando riscam o sofá da sala”, escreve a actual directora de Comunicação Helena Ferro de Gouveia no Twitter. Em causa está o pequeno texto introdutório escrito por Rui Unas no Instagram para apresentar o próximo episódio do podcast Maluco Beleza que tem como convidado o arquitecto Tomás Taveira, de 82 anos. Nele, o humorista começava por apresentar o convidado como “ícone”, referindo-se a Tomás Taveira, continuando a discorrer que “um homem não pode ser definido apenas pelas asneiras que fez na vida”.

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Problema: entre as ditas “asneiras” está o escândalo sexual que rebentou em 1989, com a divulgação de imagens retiradas de vídeos de conteúdo sexual pela entretanto extinta revista Semana Ilustrada (e explorado pela publicação espanhola Interviú, que foi proibida de circular em Portugal), que implicava o arquitecto num alegado esquema de assédio, chantagem e filmagem de actos sexuais com várias mulheres, sem consentimento das mesmas. As mulheres em causa nunca apresentaram queixa formal nem chegaram a ser identificadas — ainda que tenha corrido o rumor de que estariam entre as suas parceiras alunas coagidas e até uma mulher de um então ministro. E quando o chefe do Governo, Aníbal Cavaco Silva, se dirigiu ao país sobre o caso (curiosidade: no mesmo dia, tinha caído o muro de Berlim, mas o primeiro-ministro preferiu falar sobre as “notícias falsas ou caluniosas dirigidas a membros do Governo ou mesmo a familiares seus”), a tese sobre a última apenas ganhou força.

O que, no fim dos turbulentos anos 80, não passou de um caso de invasão de privacidade, com o arquitecto a processar o órgão que publicou as imagens por abuso de liberdade de imprensa e a ganhar, hoje poderia ter um enquadramento bem mais gravoso. No entanto, e apesar da passagem dos anos — já lá vão mais de três décadas —, o caso não caiu no esquecimento e muitas são as vozes que se uniram, nesta quinta-feira, para condenar a presença do arquitecto no podcast de Rui Unas: ambas as personalidades ocupam os lugares cimeiros das tendências do Twitter, que se divide entre piadas ao sucedido e uma onda de indignação.

“Tomás Taveira, e aquilo que fez, foi normalizado em Portugal quase como lenda urbana e pedaço de cultura pop nas últimas quatro décadas”, começa por escrever o fundador do site Espalha Factos, Pedro Miguel Coelho, para concluir que “em 2021, espaços de entretenimento não deviam usar a plataforma que têm para glorificar, como ícone, um homem que foi um predador e um abusador”.

Entretanto, e depois de muitos comentários negativos, Rui Unas retirou a publicação em que surgia sorridente ao lado do arquitecto, publicando um pedido de desculpas nas histórias da sua conta no Instagram: “Se a mensagem é mal interpretada por muitos e até contrária aos teus princípios, o melhor é retractarmo-nos e, humildemente, corrigir.”

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A onda de indignação contra Rui Unas e o texto que este escreveu sobre Tomás Taveira surge numa semana marcada pelas revelações da actriz Sofia Arruda que denunciou, no programa Alta Definição (SIC), que foi vítima de assédio numa estação de televisão. Após ter recusado as tentativas de aproximação, relata que ouviu: “Então, tu nunca mais vais trabalhar aqui.” E, durante anos, explicou, não trabalhou nesse espaço.

As declarações de Sofia Arruda, e a perversa forma como foram recebidas, com muitos a acusarem a actriz de estar à procura de protagonismo, gerou uma onda de solidariedade entre pares, a começar pela actriz Sara Barros Leitão que, lamentando que a entrevista de Sofia Arruda possa não ser o gatilho que dê origem a um movimento #MeToo​ em Portugal, considerou que “temos de chegar lá um dia”.

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