"Israel é um Estado racista". Palestina sem apoio israelita para obter vacinas contra a Covid-19

por Joana Raposo Santos - RTP
Até ao momento, mais de 173 mil palestinianos testaram positivo à Covid-19 e mais de 1900 morreram devido à doença. Ibraheem Abu Mustafa - Reuters

A congressista democrata norte-americana Rashida Tlaib acusou Israel de ser um "Estado racista" por alegadamente recusar o acesso da Palestina à vacina contra a Covid-19. Em sua defesa, o Governo de Benjamin Netanyahu diz já ter fornecido equipamento médico ao território vizinho, sendo agora da responsabilidade da Autoridade Palestiniana adquirir vacinas. Entretanto, os palestinianos terão de esperar até março para receberem os primeiros lotes da vacina que poderá protegê-los contra o novo coronavírus.

“Penso que é muito importante compreendermos que Israel é um Estado racista e que nega a palestinianos, como a minha avó, o acesso à vacina. Que não acredita que ela seja um ser humano que merece viver, que merece ser protegida desta pandemia global”, lamentou Rashida Tlaib em entrevista ao programa Democracy Now!.

Para a congressista democrata, “é muito difícil ver este Estado de apartheid continuar a negar [o acesso à vacina] aos seus próprios vizinhos, às pessoas que respiram o mesmo ar que eles e que vivem nas mesmas comunidades”.

Tlaib referia-se ao facto de a Palestina estar neste momento privada de vacinas contra a Covid-19 apesar de o vizinho Israel ter já iniciado uma grande campanha de vacinação. A campanha israelita inclui os colonatos judaicos na Cisjordânia, mas os quase cinco milhões de palestinianos que vivem nesse território e na Faixa de Gaza não irão receber a vacina.

“Eles têm o poder para distribuir a vacina ao povo palestiniano, os seus próprios vizinhos, a metros do local onde vivem”, defendeu Rashida Tlaib, acusando também Israel de privar a Palestina do acesso a testes, recursos para rastreamento de contactos e medicação.

“Isto apenas reitera o que o povo palestiniano e grupos de defesa dos Direitos Humanos nos têm dito: que Israel é um Estado de apartheid”, sublinhou.

“Pode criar-se um colonato em qualquer lugar, mas do outro lado dessa parede está uma comunidade rural, uma vila, onde a minha avó vive. E muitos dos nossos, vários membros da minha família e outros que conheço estão a tentar, novamente, viver uma boa vida, uma vida livre, livre dessas políticas opressivas e racistas que lhes negam o acesso à saúde pública, à liberdade de circulação, às oportunidades económicas”, condenou Tlaib.
Médicos palestinianos impedidos de trabalhar com colegas israelitas
Segundo o Jerusalem Post, Israel tem fornecido à Palestina desde o início da pandemia algum material médico, incluindo ventiladores. A vacina, porém, não foi partilhada. A Palestina continua, assim, dependente da Autoridade Palestiniana – que gere partes da Cisjordânia sob acordos de paz assinados nos anos 1990 – para obter vacinas contra o SARS-CoV-2.

Em maio do ano passado, depois de o Supremo Tribunal de Justiça de Israel ordenar ao Governo de Benjamin Netanyahu que fornecesse à população pormenores sobre a sua atuação para travar a pandemia, o Ministério israelita da Saúde adiantou que estava “a cooperar com a Autoridade Palestiniana e com outros atores internacionais para garantir ajuda ao povo da Palestina na luta contra o novo coronavírus”, dizendo estar a fazer “muito mais do que o exigido pela lei”.

Na altura, o executivo israelita referiu também que, desde 1995, quando foi assinado o Acordo Provisório sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza (conhecido por Oslo II), a Autoridade Palestiniana passou a assumir a responsabilidade pelos cuidados de saúde nesse território.

O acordo menciona que “Israel e Palestina devem trocar informações sobre pandemias e doenças contagiosas, cooperar na luta contra as mesmas e desenvolver sistemas que permitam transferir ficheiros médicos entre as duas partes”. Algo que, segundo Israel, tem estado a acontecer desde a chegada do SARS-CoV-2.

No entanto, três médicos israelitas avançaram à revista científica The Lancet que os profissionais de saúde palestinianos são frequentemente impedidos de trabalhar com os colegas israelitas. Além disso, os pacientes palestinianos têm alegadamente sido impedidos pela Autoridade Palestiniana de entrarem em Israel para receberem tratamentos médicos.
Vacinas só chegam à Palestina em março
Sendo tecnicamente a Autoridade Palestiniana a responsável pelos cuidados de saúde na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, a entidade agradeceria neste momento o apoio de Israel, uma vez que o aumento de casos de infeção e as dificuldades em conseguir fazer chegar vacinas à região estão a aumentar o risco de colapso dos hospitais, onde há cada vez mais pacientes internados com Covid-19.

A ministra palestiniana da Saúde já disse esperar que os primeiros lotes de vacinas da AstraZeneca cheguem à Cisjordânia e à Faixa de Gaza no início de março deste ano – três meses depois de Israel ter dado início à campanha de vacinação.

“Assinámos um acordo com a AstraZeneca para obtermos dois milhões de doses”, assegurou recentemente à Al Jazeera a ministra May al-Kaila. Cada dose custará à Autoridade Palestiniana cerca de quatro euros, pelo que serão investidos 8,2 milhões de euros no total.

Tendo em conta que cada pessoa precisa de receber duas doses da vacina de modo a conseguir ficar imunizada contra o vírus, os dois milhões de doses apenas serão suficientes para vacinar um milhão de palestinianos.

Até ao momento, mais de 173 mil palestinianos testaram positivo à Covid-19 e mais de 1900 morreram devido à doença na Cisjordânia e na Faixa de Gaza desde o início da pandemia.
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