As cidades são palco de múltiplos desafios na era da transformação digital. Estes têm conduzido a um amplo leque de novos dilemas, sobretudo no sul da Europa, na construção coletiva de habitats em termos urbano-arquitetónicos, mas também socioculturais e políticos.

A condição digital afirma-se como oportunidade para a participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão. Por um lado, o uso da tecnologia prospeta a democratização do conhecimento através da possibilidade de cada cidadão se tornar criador, editor, distribuidor e ativista. Por outro, a disseminação alargada das TIC, na Web 2.0, potenciam a condição de uma sociedade em rede, reforçando discursos sobre o coletivo e o comum.

O debate sobre o comum e o espaço público nas cidades tem crescido exponencialmente entre investigadores, decisores públicos e cidadãos. Para David Bollier não há bens comuns sem uma reflexão sobre o comum nas práticas e normas sociais que gerem recursos para benefício coletivo. A noção é aprofundada por Stavros Stavrides, o espaço comum, commons, não é simplesmente o compartilhamento do espaço, considerado como um recurso ou um ativo, mas um conjunto de práticas e imaginários criativos que exploram as potencialidades emancipadoras do compartilhamento.

O conceito aplica-se em múltiplos âmbitos: “creative commons”, “cultural commons”, “digital commons”, “knowledge commons e “urban commons”. Este último  procura com a ativação da vida nos espaços públicos, promover a sustentabilidade e a resiliência urbana. No entanto, o desenho dos espaços públicos nas cidades (ruas, praças, parques, etc.), tem seguido, em geral, uma abordagem produtiva assente em mecanismos de privatização, comodificação e estratégias top-down de regeneração urbana.

A desmesurada visão produtiva do espaço público incute e mina o seu papel de essência material das sociedades e a sua dinâmica de apropriação, onde a auto-organização e responsabilização coletiva são determinantes para o direito à cidade.

As tecnologias digitais têm tido um papel fundamental no desenho das transformações urbanas e a sua apropriação tem permitido reinventar as práticas de comuns urbanos e novas formas de governança da cidade. O acesso facilitado a plataformas de envolvimento cívico, democracia participativa, plataforma de dados abertos, plataformas de georreferenciação (OpenStreetMap), observatórios, laboratórios cidadãos, fablabs, aplicações de e-governo, hackathon cívico, etc., têm facilitado o compartilhamento e ampliado, significativamente, os meios de intermediação que potenciam a organização e ação política coletiva de construção de habitats urbanos.

O Programa Bairros Saudáveis pode ser uma oportunidade para os decisores públicos municipais olharem para o seu território e começarem a mapear os ecossistemas bottom-up, muitas vezes informais e experimentais, gerados e ensaiados por coletivos urbanos envolvendo diretamente os cidadãos na coprodução de soluções. Ao identificar, compreender as várias competências, e observá-las em ação, no concreto, é possível sublinhar a relevância do seu papel no processo de transformação urbana que se almeja representativa do governo da cidade.

Não sendo fácil nem simples abordar os desafios da cidade contemporânea, é premente incluir as diversas abordagens em campo e as ferramentas que estão disponíveis à produção de espaço público de participação cívica no planeamento, desenho e construção do espaço comum.