Opinião

As lutas sujas do futebol

Rui Santos analisa as alianças e as ‘guerras’ no Futebol. O comentador da SIC olha para as movimentações do Benfica, FC Porto, Sporting e Sp. Braga no âmbito da frágil condição de Pedro Proença como presidente da Liga e não tem dúvidas de que elas correspondem — em tempo de crise pandémica — a lutas “muito sujas” e irresponsáveis.

O futebol não consegue acertar o passo e esta tentativa de tirar Pedro Proença da presidência da Liga, em plena gestão da crise da pandemia, diz bem o que vai na cabeça de certos dirigentes.

O dirigismo desportivo em Portugal, tirando algumas honrosas exceções, é manifestamente acéfalo. Está viciado nas manobras de bastidores, na falta de verdade, no truque, na manobra, na rasteira e na golpada.

O presidente da Liga pode não ser o maior exemplo de humildade e de visão política, considerando as normas que regem o futebol profissional e as suas diferentes tutelas.

Todavia, tentar um ‘golpe de Estado’, com patrocínio diretos (diversos clubes) e indiretos (Governo, Operadoras e FPF), numa fase em que o futebol não sabe o dia de amanhã e deveria estar a preparar a extensão da crise e não a visão da sua extinção, é algo que só se explica através da cegueira de gente que não consegue ver para além do seu próprio umbigo.

Está tudo a tentar posicionar-se para o ataque ao curto e médio prazos, mas a verdade é que ninguém pode assegurar o que vai ser o futebol no que resta de 2019-20 e em 2020-21, uma vez que a probabilidade de uma segunda vaga do vírus, apesar das contradições emanadas via OMS, tem de ser considerada e, a acontecer, obrigando a novas paragens, resultará num impacto terrível. Com consequências também terríveis.

O Benfica, através da perceção das relações entre o Governo e a Liga e a FPF e a Liga, percebeu a fragilidade de Pedro Proença e não o controlando ao ponto daquilo que gostaria de fazer, lançou o seu ataque, como uma serpente que, escolhida a sua vítima, a namora e estuda, antes de se atirar ao trabalho de a matar.

No caso do Benfica, através de Luís Filipe Vieira e dos seus operacionais, estamos perante uma mera sedução pelo poder e a ambição de ‘fechar o círculo’ da sua capacidade de controlo sobre organismos e instituições.

O Benfica não quer um Proença endiabrado; quer um Proença domesticado. Quer na Liga, usando um plebeísmo, um verdadeiro pau mandado. Proença pode, aqui e ali, tentar captar simpatias, mas não está ao nível de um ‘pau mandado’, reconheça-se-lhe essa condição.

Luís Filipe Vieira é um especialista em capturas — é um verdadeiro capturador, usando a força social do Benfica. É um influenciador, o verdadeiro homem-magneto, o guiador que atrai os apóstolos e as vítimas para o seu covil. Para o bem e para o mal, é assim.

Vieira e o Benfica fazem o que acham que têm de fazer nesse processo de captura. Muitas instituições vão no engodo e deixam-se encantar (é o termo) com o som da flauta, mas é bom não perder de vistas que as contradinâmicas também não são muito recomendáveis. É, de facto, uma luta muito suja.

O presidente dos ‘encarnados’ viu Proença frágil, viu outras forças a gerarem fragilidades em Proença, em cima das suas próprias fragilidades, e zás… tirou-lhe o tapete, acelerando a queda. Fê-lo com a convicção de que, com o apoio do Sporting e do SC Braga, e também com um Marítimo ativo nas mãos da ‘velha raposa’ Carlos Pereira, peixe carnívoro de águas profundas, a presa-Proença não iria escapar.

Com a Direção da Liga dividida e com a nave-Benfica a gerir esta viagem com os seus passageiros, um dos quais o Sporting com o seu olho biónico e varandónico interessado em ocupar o território desportivo do FC Porto (via Champions), Pinto da Costa e a sua máquina operacional, ainda activa apesar das perdas de combustível dos últimos tempos, não tardaram em reagir e perceber que a queda de Pedro Proença, neste momento, corresponderia ao reforço do poder do Benfica, Sporting e Sp. Braga e ao próprio enfraquecimento das suas capacidades.

Não foi por acaso que Rui Moreira saltou para a primeira linha do combate e não foi por acaso que, de repente, se voltou a gerar a retoma da guerra Norte-Sul. Pelo que se abriu a ‘caça ao voto’ e a contagem de espingardas, com Proença e os seguidores do FC Porto a fazerem o seu papel, no sentido de não permitirem que o poder do Benfica se instale por completo.

Até o Sp. Braga e António Salvador, alinhados nesta ideia de apoio à queda da Direção da Liga, já perceberam que a colagem do Sporting ao Benfica e do Benfica ao Sporting pode não corresponder aos seus anseios de emancipação e de ataque a médio prazo não apenas ao 3.º lugar mas ao 2.º lugar, numa lógica de crescimento absolutamente indiscutível.

Temos portanto o Sporting a querer ocupar o lugar do FC Porto, o Braga a querer ocupar os lugares do Sporting e do FC Porto, o Benfica a acentuar a sua hegemonia e o FC Porto a esforçar-se para… não perder o comboio.

E está tudo cego, com esta corrida.

Sem desprezar a inabilidade de Pedro Proença no tema do ‘sinal aberto ‘ — um tema sensível, importante e que Fernando Gomes retomou, reunindo com NOS, Altice e Olivedesportos — os clubes deveriam estar concentrados nas soluções para atacar os efeitos da crise pandémica nos seus impactos económicos e a única coisa que se vê, para já, foram reações instintivas, como a aposta na retoma (der por onde der), corte temporário nos salários e recurso (nalguns casos) ao lay-off.

A verdade, porém, é que a prioridade vai no sentido de:

  1. Retoma do campeonato para se achar o campeão nacional e as equipas que vão participar nas provas da UEFA;

  1. Retoma do campeonato para as operadoras de comunicações não fecharem as tubagens que levam o oxig€nio a todos os clubes do quadro do futebol profissional.

Esta prioridade, contudo, alinha-se com a guerra de poder(es) que está no ar. Só a conclusão dos processos judiciais que envolvem o ‘Benfica de Vieira’, e só no caso de lhes serem desfavoráveis, pode desviar o clube da Luz de um período de clara supremacia. O FC Porto está a levar muito tempo para introduzir verdadeiros mudanças nas lógicas de gestão, porque Pinto da Costa não abdica na SAD da sua dupla de ferro (Adelino Caldeira-Fernando Gomes) e o Sporting, via Jorge Mendes, que ganhou ascendente em Alvalade com o dossiê Bruno Fernandes, quer agarrar-se à bóia-Champions dos 40M€.

O que ninguém quer ver é que têm de contar com eles próprios, porque neste mundo do futebol ninguém ajuda ninguém. Todos querem trocar chouriços por porcos.

A falta de lealdade institucional é impressionante. Brutal. Uma luta muito suja.

Depois de um sorriso, há sempre uma faca preparada para se cravar a fundo nas costas e nas vísceras de alguém.

O número de mentiras e traições subiu com a pandemia.

Se houvesse, assim a modos como a DGS faz com os seus relatórios diários, uma curva para avaliar o crescimento ou o achatamento da curva das deslealdades no futebol, não havia outra solução senão confinar. Sem fiar e sem confiar. Porque este vírus não foi exportado pela China. É ‘made in’ Portugal. Dramático.

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