Quatro serviços do Curry Cabral vão ser transferidos até ao final da próxima semana

Centro de referência de transplante hepático vai para o Hospital de Santa Marta, mas a decisão não é bem aceite por todos. Equipamento de ponta não pode ser retirado do Curry Cabral.

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O Hospital de Santa Marta está a preparar-se para receber o serviço responsável pelos transplantes hepáticos no Curry Cabral Francisco Romão Pereira

O Centro Hepato-bilico-pancreático e de Transplantação (CHBPT) do Hospital Curry Cabral está em processo de transferência para outra unidade do Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC), o Hospital de Santa Marta. A mudança, que vai afectar outros serviços do Curry Cabral, prende-se com a transformação deste espaço num hospital dedicado em exclusivo ao tratamento da covid-19. Tal como acontece com outras patologias, tratamentos e consultas não urgentes estão a ser adiados, incluindo de doentes oncológicos.

É “uma dor de alma”, descreve Élia Coimbra, coordenadora da unidade de Radiologia de Intervenção do CHLC, que funciona no Curry Cabral. A trabalhar nesta quarta-feira, a médica assegura que todos os procedimentos urgentes continuam a ser cumpridos, mas confirma que há consultas e procedimentos considerados não urgentes, incluindo de doentes oncológicos que já foram cancelados. “Os doentes oncológicos podem esperar um bocadinho, mas não podem esperar muito”, diz a médica, assegurando que é essencial garantir que nenhum destes doentes corre o risco de ser infectado com o novo coronavírus SARS-Cov-2 por continuar o tratamento num hospital como o Curry Cabral, unidade de referência para o tratamento da doença covid-19 e que ficará exclusivamente dedicado a ela. “Precisamos de um hospital limpo. É péssimo, é horrível, mas perante a hipótese de algum doente ser infectado por ser operado aqui, não podemos arriscar”, diz.

Filipe Veloso Gomes, médico radiologia de intervenção do CHBPT, acredita que a solução de transferir o serviço é um erro que ainda “se está perfeitamente a tempo de corrigir”. A solução preconizada pelo clínico, e que é acompanhada por outros médicos da instituição, é que fosse criado um circuito diferenciado entre o centro e a parte do hospital que ficará dedicada aos doentes com covid-19. “Temos condições físicas para fazer esta separação, acedendo a um bloco operatório que é único no país”, diz.

Fonte do CHLC garante, contudo, que a transferência do CHBPT já está em curso e que o serviço deverá estar a funcionar em pleno no Santa Marta “até ao final da próxima semana”, o mesmo acontecendo com os outros três serviços que, acompanhados do respectivo pessoal, também serão transferidos. “O serviço de Medicina Física e Reabilitação vai para o Hospital de Santo António dos Capuchos e dois serviços vão para o S. José: Ortopedia e Cirurgia Geral.”, diz.

No caso do CHBPT, a mesma fonte explica que “foi feito o levantamento do material que será necessário colocar em Santa Marta no sentido do centro continuar a operar fora do Curry Cabral”. “O hospital de Santa Marta é uma unidade dedicada ao transplante de coração e pulmões, pelo que está de alguma maneira equipado” com o que é necessário ao funcionamento do CHBPT, diz a mesma fonte, realçando que todas as unidades hospitalares que vão receber os serviços do Curry Cabral são “covid free”, ou seja, não recebem doentes com esta patologia. “E isto é muito importante, sobretudo no caso de transplantados”, frisa.

De novo, Filipe Veloso Gomes discorda desta avaliação. O médico diz que é “impossível” pensar que qualquer hospital do país será livre da covid-19 e, além disso, garante: “O Santa Marta não tem as mínimas condições para receber um centro com esta dimensão”.

Há equipamento de ponta no Curry Cabral, que ajudou a tornar o CHBPT num centro de referência, que não será possível transferir. Um robô para intervenções cirúrgicas, oferecido pela Fundação Aga Khan, e outra tecnologia de ponta. “Vai ficar fechado no Curry Cabral”, admite Élia Coimbra sobre este equipamento.

Contudo, ressalva, isso não significa que os doentes não irão receber o tratamento necessário. “Isto é equipamento topo de gama, mas temos outros equipamentos e sempre tratámos os doentes com eles. E vamos continuar a tratar. Temos imensos doentes à espera. Tudo isto é uma dor de alma, para os doentes, mas também para nós”, afirma.

Filipe Veloso Gomes teme que os resultados, caso a decisão em curso avance, venham a ser desastrosos. “No ano passado morreram cerca de 113 mil pessoas no país, a maioria de doenças cardiovasculares e de cancro. Não podemos deixar de tratar essas doenças. Um doente com cancro de fígado pode ser tratado de forma curativa, mas se esperar 3 ou 4 meses já não pode. Fechar um centro com esta importância para a Grande Lisboa e todo o Sul do país é uma decisão errada que estamos perfeitamente a tempo de corrigir. Caso contrário, vamos ver aumentar a mortalidade em casos em que era perfeitamente evitável”, diz.

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