Sociedade

Investigadores alertam: coronavírus pode estar a provocar mais vítimas mortais do que as registadas

29 março 2020 20:12

SARS-coV-2: o vírus da Covid-19

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Em termos homólogos, o mês de março regista uma taxa de mortalidade muito superior ao esperado. Centenas de mortes provocadas, direta ou indiretamente, pela pandemia podem estar a escapar ao radar das autoridades públicas, alertam investigadores.

29 março 2020 20:12

A conclusão é de um grupo de docentes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigadores do CINTESIS e estão em linha com o que se vai passando em Espanha ou Itália: o número de vítimas mortais registado durante este período é muito superior às normalmente reportadas.

De acordo com os autores do estudo, uma análise mais fina dos dados e a comparação com os fenómenos registados durante a última década permitem concluir que há pelo menos mais 600 vítimas mortais acima do que seria expectável para este período do ano. Ora, se a estas forem retiradas as 100 pessoas que morreram por covid-19, existem 500 óbitos que escapam à tendência dos anos anteriores. (Nota: este estudo foi feito com base nos números divulgados no sábado; este domingo, há 119 óbitos a registar).

Este grupo de docentes, coordenado por Jorge Félix Cardoso, sugere um conjunto de explicações. “Estes 500 deverão ser divididos, pelo menos, em quatro tipos de situações: óbitos por covid-19 não diagnosticados; óbitos que, tendo sido evitados em fevereiro, vieram a verificar-se em março (explicado anteriormente); óbitos por outras condições que, fruto da situação atual, acabam por não ser evitadas; ou simplesmente óbitos que já iriam acontecer nesta altura e que são imprevisíveis.”

Olhando para o número de mortos registados por mês desde 2009, os investigadores notam que, ao contrário do que acontece há mais de uma década, “os dados de mortalidade diária em março de 2020 não podiam ser mais excecionais” e 2020 tornou-se o “único ano dos últimos 12 com tendência de aumento [de mortalidade em março]”.

“Mais ainda, considerando que o aumento de mortalidade se começa a verificar apenas no fim-de-semana de 8 de março, o declive destas últimas três semanas é ainda mais acentuado — e mais excecional — do que o que aqui apresentamos”, continuam os autores.

É com base na dinâmica registada nos primeiros dias de março que os autores do estudo partem para a conclusão: “Se usarmos a média dos primeiros 7 dias de março (aproximadamente 300 óbitos dia) como valor de referência para o resto do mês (corresponde a um declive de zero), então o número total de óbitos esperados até ao dia 27 seria de 8100 (300 mortes por dia durante 27 dias). Neste momento temos um total de 8700 óbitos, o que corresponde a aproximadamente 600 mortes acima dessa expectativa, ou cerca de 7% de excesso de mortalidade. Destas 600 mortes, 100 encontram-se associadas à covid-19 (segundo o Relatório de Situação Nº 26, emitido a 28 de março pela DGS, e que traz todos os dados até às 24h de dia 27 de março), ficando 500 óbitos por justificar.”

Graça Freitas, da Direção-Geral de Saúde (DGS), garantiu há dias que todas as mortes de pessoas a quem tenha sido diagnosticado covid-19 estão a ser registadas como vítimas do novo coronavírus. Mas isso não responde às questões levantadas pelos autores: e as vítimas mortais que não foram testadas em vida?

Esta dinâmica está, aliás, em linha com o que acontece em Espanha. De acordo com um relatório feito pelo Instituto de Saúde Carlos III, ao qual o El País teve acesso, o vírus quase duplicou a mortalidade em algumas zonas de Espanha. Neste momento, há mais de 6.500 vítimas a lamentar, mas, tal como notava o Instituto de Saúde Carlos III, os números podem ser muito maiores uma vez que apenas são contabilizados os doentes que morrem depois de terem dado positivo nos testes de covid-19.

Em Itália o Presidente de Câmara de Nembro, a região mais afetada, e o CEO do Centro Medico Santagostino também olharam para os dados de mortalidade, compararam com anos anteriores e chegaram à conclusão de que o número de mortes pode ser quatro vezes superior àquele que é reportado oficialmente.