“Não podemos transformar as ilhas gregas na Ellis Island da Europa”

O Governo da Grécia não quer ser a porta de entrada para a União Europeia como a Ellis Island foi para a América, disse ao PÚBLICO o ministro adjunto dos Negócios Estrangeiros da Grécia, Miltiadis Varvitsiotis.

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Miltiadis Varvitsiotis, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros da Grécia com o pelouro dos assuntos europeus Daniel Rocha

O ministro adjunto dos Negócios Estrangeiros da Grécia, Miltiadis Varvitsiotis, esteve no início do mês em Lisboa para um encontro de países “amigos da coesão”. Em entrevista, defendeu a política do seu país em relação aos refugiados e migrantes que tem motivado críticas de organizações de defesa de direitos humanos: em cinco ilhas gregas estão mais de 36 mil pessoas, sem condições mínimas, diz a agência da ONU para os refugiados. Varvitsiotis alerta ainda para o perigo da chantagem da Turquia em relação aos refugiados e das suas acções na região. “É uma loucura que a UE tenha medo de 100 mil pessoas que passem a fronteira.”

Há um aumento da chegada de novos refugiados às ilhas gregas. Como é que o Governo planeia lidar com esse aumento?

Desde Julho houve um aumento de 200% da chegada de refugiados e migrantes. Não há uma cooperação suficiente da Turquia para controlar o fluxo. Por isso temos uma nova lei de asilo, para encurtar o período de decisão em relação aos que pedem asilo, e tentamos reorganizar as forças para deixar claro que a Grécia está a controlar as fronteiras. A lei entrou em vigor a 1 de Janeiro. E queremos mandar mais pessoas para a Turquia do que antes.

É verdade que estão a ser devolvidas 30 pessoas por dia à Turquia?

Sim, mas o número de chegadas é cinco vezes ou até dez vezes maior.

Como asseguram que estas pessoas têm direito a uma análise justa do seu processo, apesar do prazo de análise ser mais curto?

Uma coisa é a análise do caso. Outra coisa é abrir o país a esta onda de migrantes. Não encurtamos a legitimidade do processo, mas sim os modos como os migrantes cujo pedido foi negado podem recorrer. Porque mesmo no sistema anterior, 97% das recusas eram confirmadas no recurso.

Uma das ideias que têm é fazer uma barreira no mar…

… não é uma ideia, é um dos sistemas que queremos ver se funciona ou não, se bloqueia ou não os fluxos.

O facto de esta barreira poder provocar ainda mais mortes no mar foi tido em conta?

Como se pode dizer isso, se a medida ainda não foi aplicada?

Os campos nas ilhas estão totalmente sobrelotados: Moria, em Lesbos, tem capacidade para três mil pessoas e alberga 20 mil. Há um plano para lidar com a grande sobrelotação?

As pessoas não podem sair das ilhas, temos de os ter lá enquanto o seu pedido de asilo é examinado. Não queremos passar a mensagem que toda a gente que chega a Grécia vai sair dos campos logo de imediato. E as pessoas das ilhas também estão fartas. Queremos construir novos campos fechados para os rejeitados…

Os campos fechados serão só para quem teve os pedidos rejeitados?

Sim.

E o que acontece entretanto às pessoas que estão nos outros campos?

Isto leva algum tempo. O novo sistema só está em vigor desde o início de Janeiro. Muitas pessoas também estavam lá isoladas com o velho sistema. Ouça, a Grécia está a tentar observar todas as regras de como lidar com migrantes e requerentes de asilo. Mas ao mesmo tempo, não podemos transformar as ilhas gregas na Ellis Island da Europa.

Como vê a mudança do comportamento da política externa da Turquia?

O que a Turquia faz é chantagem com a União Europeia para ter mais dinheiro, ou para usar o dinheiro como quer. Por exemplo, mandar pessoas de volta à Síria para alterar a composição de certas zonas. ‘Ou então vou encher-vos de refugiados.’

É uma chantagem absoluta que não é dirigida a Atenas, mas sim a Bruxelas. Não devíamos permitir sermos chantageados. É uma loucura que a União Europeia - 300 milhões de pessoas, a democracia mais sofisticada - tenha medo de 100 mil pessoas que possam passar a fronteira. Devemos ter mecanismo que nos proteja, ter a certeza que as expectativas de segurança dos nossos cidadãos são tidas em conta, e o aspecto humanitário da nossa união também.

Queria ainda expressar agradecimento a Portugal e ao Governo, que tem estado ao lado da Grécia, ao receber refugiados em programas de recolocação, enviar guarda costeira para as ilhas, e ser muito construtivo no diálogo que está sempre a ser bloqueado pelos países de Visegrado de que este não é um problema europeu mas dos países da fronteira. Porque as pessoas que chegam a Lesbos não querem ficar em Lesbos. Querem ir para Frankfurt, Estocolmo, Amesterdão. É a União Europeia que é tão atractiva.

Ainda em relação à Turquia, houve uma reunião europeia sobre a Líbia em que a Grécia não participou, há a exploração de petróleo no Mediterrâneo, como é que a Grécia lida com isso?

A Turquia está sempre a provocar a Grécia e faz reivindicações ilegais que não contribuem para a estabilidade na região. Este tipo de coisas são um grande desafio para nós, porque queremos defender o nosso espaço nacional, mas não queremos militarizar a crise, passá-la da mesa da diplomacia para a área de operações.

O primeiro-ministro grego está a tentar dar atenção para esta questão, fez um périplo no Médio Oriente. Ouvem-no mais lá do que na UE?

Penso que a União Europeia não se apercebeu ainda como a Turquia mudou. A distância entre a Turquia e a UE está a aumentar a grande velocidade. Ainda há países que acham que há modos de aproximar a Turquia dos nossos valores. Acho que a discussão sobre o que será a relação entre a Turquia e a Europa vai ser iniciada muito em breve.

Quanto à Grécia, a situação económica mudou em termos de indicadores - quando poderá traduzir-se em melhoria da vida das pessoas?

As cicatrizes que a crise deixou são muito profundas. Vai ser muito difícil sará-las. A crise durou mais do que nos outros países devido a duas coisas. Uma foi o debate político tóxico e populista, e a outra foi a receita aplicada, que estava errada. Agora a Grécia está de volta aos mercados, e pela primeira vez na história emprestaram-nos dinheiro com taxa de juro negativa e emitimos obrigações a 15 anos com 1,6 de taxa de juro. Isso irá gradualmente ter efeito nos lares, mas é preciso tempo.

Estabeleceram também uma meta muito ambiciosa para a descarbonização no âmbito do Pacto Verde. Como planeiam cumpri-la?

Estamos a pôr a fasquia alta. O nosso primeiro-ministro está muito interessado na economia verde, e acreditamos que a Grécia está numa posição para uma transformação rápida do sector de energia. O objectivo é descarbonizar o nosso sector de energia até 2028. Recentemente, a Grécia tem sido sempre falada como um mau exemplo, e gostávamos de ter ângulos na nossa política em que sejamos um bom exemplo.

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