As células imunitárias “conversam” antes de tomar uma decisão

Estudo mostra que, na linha da frente do sistema de defesa do organismo, as células imunitárias consultam as suas vizinhas antes de decidir como agir. Este mecanismo pode ser importante para novas terapias contra cancro e doenças auto-imunes

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Os macrófagos são um tipo de células imunitárias que fazem parte da primeira linha de defesa para o combate de uma infecção ou doença STEVE GSCHMEISSNER/Getty Images

Como em muitas coisas na vida, o segredo do sucesso está muitas vezes no equilíbrio entre a falta e o excesso. No nosso organismo, na biologia, esse princípio também pode ser valioso. Na resposta a um intruso, inflamação ou infecção, as células imunitárias recrutadas para agir em defesa do organismo têm de saber reagir q.b. a uma ameaça, sem exagerar. Um estudo divulgado na revista Nature Communications desvenda o método de organização de um tipo específico de células que está na linha da frente do sistema imunitário. Parece que os macrófagos consultam os vizinhos para “decidir” como agir.

“A inflamação iniciada por macrófagos é fortemente regulada para eliminar ameaças como infecções, enquanto evita uma activação imune prejudicial”, começa por explicar o artigo dos investigadores da Universidade de Nortswestern (EUA). O comunicado da instituição é bastante mais informal: “Muitas pessoas consultam os seus amigos e vizinhos antes de tomar uma grande decisão. Acontece que as células também consultam os seus vizinhos no corpo humano.” Na verdade, a comparação pode ser um bocadinho forçada já que muitos de nós podem, de facto, pedir conselhos a alguns amigos próximos antes de uma decisão, mas a consulta dos “vizinhos” será uma situação bastante mais rara. Ainda assim, vamos admitir que os vizinhos representam alguém próximo. Os macrófagos, simplifica ainda o comunicado, são um tipo de células imunitárias que fazem parte da primeira linha de defesa para o combate de uma infecção ou doença.

Os cientistas estiveram a observar os movimentos deste conjunto específico de células imunitárias e perceberam que estas coordenam a actividade colectiva depois de uma “conversa” entre elas. “O sistema imunitário está constantemente a trabalhar para manter um equilíbrio delicado. Quando uma ameaça é introduzida, o sistema precisa responder com força suficiente para combater infecções ou doenças, mas não de uma forma excessiva ao ponto de causar danos”, refere o comunicado.

Joshua Leonard, investigador especializado engenharia biológica que coordenou o estudo, avisa que “quando se trata de respostas imunes, é a diferença entre vida e morte”. “Se o corpo responder em excesso a uma infecção bacteriana, essa pessoa pode morrer com choque séptico. Se o corpo não responder o suficiente, pode morrer de uma infecção desenfreada. Para se manter saudável, é necessário que o organismo encontre um equilíbrio entre esses extremos”, refere, citado no comunicado.

“É especialmente interessante porque o sistema imunitário é descentralizado”, acrescenta Joseph Muldoon, outro dos autores do artigo e investigador na mesma instituição. “As células imunitárias são agentes individuais que precisam trabalhar juntas, e a natureza criou uma solução para que possam estar coordenadas. As células chegam a diferentes estados de activação, mas de maneira a que, a um nível global, a resposta da população é calibrada.”

Nas experiências, a equipa colocou os macrófagos a reagir a um produto químico produzido por bactérias – que representa um sinal de alerta ao organismo para a presença de infecção. A técnica usada permitiu acompanhar as respostas de células individuais ao longo de um determinado período de tempo. “As respostas de sinalização de células individuais a sinais pró-inflamatórios são heterogéneas, com subpopulações a surgir com estados de activação altos ou baixos”, explica o artigo.

Depois, recorreram a modelos computacionais para interpretar os dados recolhidos. Ao longo do tempo, revela Joseph Muldoon, as células parecem avaliar o ambiente em volta e perceber o que as outras células (as suas vizinhas) estão a fazer. Só depois tomam a decisão sobre o tipo de resposta que vão activar. “Uma parte essencial deste trabalho baseou-se no desenvolvimento de novos modelos computacionais para interpretar as nossas experiências e esclarecer como as células fazem cálculos para tomar decisões coerentes”, elucida Neda Bagheri, da Universidade de Washington, que co-liderou o trabalho com Joshua Leonard.

Assim, a equipa rastreou cada uma das células para validar um modelo adaptado à activação de macrófagos induzida por uma molécula (lipopolissacarídeo) usada neste tipo de experiências sobre o sistema imunitário. Encontrou na organização das células um mecanismo que decidiu chamar “licenciamento de quórum”.

“Este é um aspecto pouco reconhecido da função imunitária”, nota Joshua Leonard, que conclui: “As células não são activadas uniformemente, mas decidem colectivamente quantas células serão activadas, para que, juntas, o sistema possa afastar uma ameaça sem um perigoso exagero.”

Os resultados mostraram que o processo de resposta dos macrófagos é iniciado quando ainda se encontram em “estado de repouso” e depende de forma muito evidente da densidade celular e de uma série de troca de sinais (a tal conversa de consulta em vizinhos) entre as células.

Este momento na organização da resposta imunitária (entre a análise da densidade celular e a decisão sobre a activação de macrófagos) abre uma série de oportunidades terapêuticas, porque expõe um mecanismo onde se podem identificar “novos alvos para imunomodulação”. Ou seja, formas para amplificar uma resposta ou impedir um alarme falso.

Esta seria, assim, uma estratégia fundamental para conceber novas imunoterapias para o cancro (em que é necessário recrutar as nossas defesas para atacar células malignas) ou para tratamentos de doenças auto-imunes (que se caracterizam por um ataque descontrolado do nosso sistema imunitário, que torna necessário encontrar formas de o desligar ou abrandar). “Como biólogos sintéticos, trabalhamos para projectar células para desempenhar funções terapêuticas personalizadas, como activar o sistema imunitário localmente no local do tumor, mas não em todo o doente. Compreender as inovações da natureza ajuda-nos a criar novos projectos e tona-nos capazes de ser melhores engenheiros”, resume Joshua Leonard.

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