Música
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Por Bernardo Araújo, Especial Para O GLOBO


Tim Maia completaria 80 anos — Foto: Guto Costa
Tim Maia completaria 80 anos — Foto: Guto Costa

Mais grave, mais agudo, mais eco, mais reverb, mais tudo! E mais Tim Maia, que completaria 80 anos nesta quarta-feira, se não tivesse vivido uma vida cheia de superlativos (a maioria prejudiciais à saúde) e partido deste mundo em 15 de março de 1998. De sucessos como “Leva” e “Dia de domingo” a regravações como “Descobridor dos sete mares” por Lulu Santos e “Não quero dinheiro” com Marisa Monte, Tim Maia nunca foi a lugar algum — além, claro, do imaginário popular do artista que às vezes (muitas?) simplesmente não aparecia (o que levou o próprio Tim à autozoação de se definir como “o cantor que mais comparece aos próprios shows no Brasil” quando dava as caras) e brigava por tudo e por nada. As músicas nas pistas de dança, as produções em teatro e cinema e a nova série “Vale tudo com Tim Maia”, do biógrafo Nelson Motta com o documentarista Renato Terra, que chega hoje ao Globoplay mostram que o Síndico segue por aqui mesmo.

— É impressionante como ele não envelhece —diz o DJ (e crítico de cinema do GLOBO) Marcelo Janot, ferrenho militante da música brasileira nas pistas. — Antes de mais nada por causa de sua potência como cantor. Costumo tocar uma versão ao vivo de “Do Leme ao Pontal”, em que ele brinca com os músicos, reclama do som… Aquela voz é quase hipnótica. Mesmo quem não tinha nascido ou era criança quando Tim Maia morreu é contagiado, não precisa conhecer o personagem. Outros artistas de sucesso que vieram depois dele, como Emicida e Criolo, não se destacam pela parte vocal.

Velho amigo e biógrafo (lançou “Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia” em 2007), Nelson Motta concorda com a tese da travessia de gerações protagonizada por cantor e repertório.

— Vou te dar um spoiler da série —brinca ele, de Portugal, onde mora atualmente. —Todo mundo vai chorar. Da minha sogra à minha mulher e meus netos adolescentes, não tem ninguém que escape.

Ele lembra a quantidade de sucessos do cantor como um dos motivos dessa permanência.

— Dessa geração, é difícil alguém que tenha tantos hits quanto ele —avalia Nelson. — Só o Rei Roberto Carlos, mas as músicas dele não tocam nas festas, estão mais restritas à terceira idade. Tim criou novos gêneros musicais.

Para Herbert Vianna — que era “ainda muito moleque” quando ouviu Tim cantando “Você”, que o Paralamas do Sucesso regravaria anos depois —, o artista foi decisivo:

— Ele é uma referência fundamental na história da moderna música brasileira porque começou a abrir portas para a consciência não de negritude, mas à herança musical poderosa dos negros que, de várias maneiras, gerou música popular no mundo inteiro. Aqui no Brasil a gente tinha o samba, que era sempre relegado de maneira inferior em termos de classe, mas o Tim abriu as portas para coisas que eram vistas como sofisticadas, elegantes e especiais. Seu trabalho é único.

Ritmos brasileiros e black music

A cantora e atriz Lucy Alves, que apresentou um show com sucessos de Tim Maia no Rock in Rio, no Palco District, conheceu seu trabalho por intermédio dos pais e tios (um deles, o tio Pereira, era muito parecido com Tim, ela lembra) e atesta a importância de sua obra.

— Ele revolucionou o som brasileiro com as referências de soul, funk e outras vertentes da black music, que conheceu após morar nos Estados Unidos (no fim dos anos 1950 e início dos 1960) —diz ela, que tem planos de rodar o Brasil com o show. —Além disso, tinha o rock na voz em forma de atitude e aquele timbre marcante.

Silvério Pontes, integrante da Banda do Síndico (antiga Vitória Régia, com músicos históricos na carreira de Tim), homenageia o aniversariante hoje à noite, no Teatro da UFF (com participação do guitarrista Renato Piau), e destaca as misturas musicais que ele promovia.

— Ele era um gênio, unia a música brasileira à black music, botava ritmos nordestinos…— lembra o trompetista. — E ninguém cantava a palavra “amor” de forma mais bonita do que Tim Maia.

O personagem exagerado, verborrágico, também contribui para a presença solene de Tim na vida brasileira até hoje.

— Se Tim Maia baixasse aqui, vindo de outro planeta (e, claro, ele era de outro planeta), as pessoas diriam: “Que cantor, que voz maneira” — diz o DJ Janot. —Mas é claro que quem sabe das histórias saboreia ainda mais, conhece as loucuras. Mais ou menos como João Gilberto, né? Dois crooners, cada um no seu estilo.

Um excesso, em vários aspectos, na definição de Nelson Motta.

— De gordura, de fome, de bom humor, de mau humor… um peso pesado —diz o biógrafo. —Um personagem riquíssimo, de um tipo que dificilmente veremos de novo.

Descobridor dos sete mares e da 'heavy bossa'

Motta atenta também ara as incursões do cantor por outros gêneros musicais.

— Aquele disco em que ele canta bossa nova (“Tim Maia interpreta clássicos da bossa nova”, de 1990) tem faixas antológicas como “Folha de papel”, do Sérgio Ricardo —diz o biógrafo. —Nem todas as gravações são boas, porque a voz dele já estava um pouco combalida, e o disco soa como se tivesse sido gravado às pressas: na época, ele gravou quatro discos em um ano. Mas ele estava realizando um sonho, o de cantar bossa e de gravar com Os Cariocas. Tim Maia criou a heavy bossa.

Mesmo com todo o respeito pelo gênero de artistas como Johnny Alf e João Donato, nada era poupado do humor de Tim (“Ele não reconhecia autoridade”, lembra Nelson), que arriscava uma flauta na hora de cantar ao vivo algumas canções daquele repertório.

— O problema é cheirar e tocar flauta —dizia ele nos shows. — Ainda bem que eu não cheiro. Mas também não toco flauta.

A morte aos 55 anos, depois de passar mal em um show no Teatro Municipal de Niterói, não chegou a ser surpreendente, apesar da pouca idade.

— Depois que fez 50 anos, eu achava um milagre ele estar vivo —lembra Nelson. — Mas teve um momento em que eu tive uma esperança, quando ele levou um susto e passou a se comportar melhor, parou com o álcool e a cocaína, ficando só com os bauretes (como Tim chamava os cigarros de maconha).

Os problemas médicos de Tim Maia, assim como toda a sua vida, foram de domínio público. Ninguém esquece o discurso dele em uma entrega de prêmio —quando os laureados não tinham espaço para falar, mas e daí? —no Theatro Municipal do Rio, quando agradeceu à equipe médica que tinha cuidado de uma parte sensível de seu corpo.

— Ele dedicou o prêmio ao urologista que tinha operado o saco dele! —conta Nelson, às gargalhadas. — O que pode ser mais anárquico, mais Tim Maia do que isso?

O biógrafo, no entanto, diagnostica que os tempos atuais seriam duros para o Síndico:

— Nesse contexto de caretice, de puritanismo, de falso moralismo que vivemos atualmente, ele seria cancelado, espancado na rua, sei lá. Tim era um sopro, aliás um tufão, um exemplo de liberdade. Quem diria…

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