Por g1 Pará — Belém


Imagem de fiscalização do Ibama na terra indígena Ituna-Itatá em 21 de janeiro de 2020 — Foto: Divulgação/Ibama

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal que a Fundação Nacional do Índio (Funai) seja obrigada a renovar urgentemente uma portaria de restrição de uso que protege a Terra Indígena (TI) Ituna Itatá, nas cidades de Altamira e Senador José Porfírio, no sudoeste do Pará.

Segundo o MPF, a restrição foi decretada desde 2011, em proteção aos povos indígenas que vivem em isolamento voluntário, mas venceu nesta terça-feira (25). A TI Ituna Itatá chegou a ser a mais desmatada do país.

O MPF disse que pediu à Justiça Federal em Altamira o prazo máximo de 48 horas para que a Funai renove a portaria mantendo a restrição de uso, ou seja, proibindo a entrada na área e qualquer atividade econômica, por mais três anos.

Uma ação judicial também pede que sejam mantidos os limites atuais da terra indígena. A Justiça Federal ainda não havia se manifestado até a publicação da reportagem.

Evolução do desmatamento na terra Indígena Ituna-Itatá — Foto: Arte/G1

Fiscalização

Após ouvir a Funai e a União, o MPF informou que pediu à Justiça determinação para estabelecimento de equipe permanente de fiscalização e retirada de não indígenas que invadiram a terra indígena nos últimos anos e devastaram imensas porções de floresta. Segundo o órgão, o problema se intensificou a partir de 2019, quando a Ituna Itatá foi a mais desmatada do país. Entre 2015 e 2020 os invasores destruíram mais de 20 mil hectares de floresta dentro da área, segundo o MPF.

A maior parte das invasões são grandes fazendas para criação de gado e lavagem de dinheiro, de acordo com a ação do MPF, que cita levantamento sobre cadastros ambientais rurais (CARs) sobrepostos à terra indígena.

Na prática, grileiros registram o cadastro, que é autodeclaratório, na expectativa de mais tarde regularizar as invasões. Foram identificados 223 CARs registrados no interior da Ituna Itatá, dos quais 10 CARs correspondiam a glebas com dimensão inferior a 100 hectares; além de 13 CARs a glebas no intervalo entre 100-300 hectares, 125 CARs a glebas com mais de 300 hectares e 75 CARs glebas com dimensão superior a 1.000 hectares.

“Tal fato indica claramente que as glebas em questão superam, em muito, o tamanho geralmente admitido como perfil de assentamento da reforma agrária”, afirma a ação do MPF.

“Conforme consta dos autos do inquérito civil (...), o incremento da extração madeireira na TI Ituna Itatá foi acompanhado de ações tendentes à grilagem de terras e à legalização do desmatamento, verificando-se que 87% da superfície da TI Ituna Itatá estava recoberta, até meados de 2018, por solicitações de Cadastro Ambiental Rural (CAR)”.

O MPF lembra à Justiça que a interdição administrativa deferida em portaria pela Presidência da Funai é a única proteção jurídica oferecida atualmente aos povos isolados da TI Ituna-Itatá. “Embora precária, sua manutenção é absolutamente imprescindível”, dizem procuradores da República.

Condicionante

Ainda de acordo com o MPF, a restrição de uso foi decretada pela primeira vez em 2011 como parte das condicionantes do licenciamento da usina de Belo Monte. Estudos de impacto constataram que povos isolados da região sofreriam risco concreto de genocídio com a chegada de milhares de migrantes atraídos pela obra.

Em 2013, 2016 e 2019 a portaria de restrição que protege o território foi renovada, mas o MPF acredita que a Funai deu todas as indicações de que não pretende mais fazer a renovação.

Em 2021 uma expedição foi enviada pela Funai para confirmar a presença dos isolados dentro da Terra Indígena Ituna Itatá. Com base nas informações encontradas, um relatório foi elaborado pela equipe responsável recomendando que fosse mantida a restrição de uso. Mas até então isso não ocorreu.

Para o MPF, essa é uma das indicações de que, contrariando a missão institucional de proteger os povos indígenas brasileiros, a Funai não pretende renovar a portaria.

Além disso, lembra o MPF que "o presidente atual da Funai editou instrução normativa no ano de 2020, considerada ilegal em várias decisões judiciais, que retira a proteção de terras indígenas não homologadas e permite o registro de propriedades privadas sobre essas terras". O que é o caso da Ituna Itatá, que ainda não teve demarcação concluída apesar dos inúmeros avistamentos de isolados na área ocorridos desde a década de 1970.

Piora

Para piorar a situação, o MPF afirma que teve acesso a documento da diretoria de proteção territorial da Funai que comunicando a intenção da autarquia de reduzir a área interditada para proteção dos isolados.

“Sendo evidente o desinteresse da atual presidência da Funai em proteger a integridade territorial de povos isolados, conclui-se pela presença de fundadas e concretas razões para crer que a única proteção jurídica vigente em seu favor expirará sem renovação”, diz o MPF à Justiça.

A ação judicial que o MPF apresentou à Justiça não teve a íntegra divulgada por conter dados que são protegidos por sigilo para preservar a vida e o direito de autodeterminação dos povos isolados.

Funai se manifesta

Sobre a área denominada Ituna Itatá, localizada nos municípios de Altamira e Senador Porfírio, no estado do Pará, a Fundação Nacional do Índio (Funai) informou, em nota, que, "após mais de dez anos de sucessivas portarias de interdição da área e inúmeras incursões e sobrevoos para verificar a presença de supostos indígenas isolados na região, não foram localizados nem identificados grupos em isolamento no local.

Cabe destacar que os estudos em campo foram realizados por profissionais da Funai altamente especializados, pertencentes ao corpo técnico da fundação e com ampla experiência na área. A metodologia das atividades contemplou um minucioso trabalho de longo prazo, com expedições in loco para identificar geograficamente possíveis locais de ocupação, bem como qualquer informação que indicasse a presença de populações isoladas. Os trabalhos contaram também com o apoio de indígenas e mateiros que habitam a região e são conhecedores do espaço onde foram executados as incursões.

A última expedição da Funai na região, em agosto e setembro de 2021, foi a maior já realizada pela instituição para localização de indígenas isolados. A ação contou com o suporte de servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Força Nacional de Segurança Pública, além de recursos tecnológicos e imagens de satélite disponibilizadas pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e pelo Centro de Monitoramento Remoto (CMR) da Funai.

Diante disso, tendo em vista a não localização de grupos isolados após mais de uma década de monitoramento, expedições e estudos técnicos na região de Ituna Itatá, a Funai entende que não há elementos que justifiquem a edição de uma nova portaria de interdição da área. A fundação ressalta que permanece acompanhando, de forma constante e permanente, as áreas Indígenas do interflúvio Xingu-Bacajá, nas Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, não descartando a possibilidade de que os supostos indígenas isolados possam ter se deslocado para essas regiões do entorno.

Por fim, a Funai reforça que as ações de proteção territorial são o principal mecanismo para garantir a segurança das comunidades indígenas isoladas. Por isso, a fundação promove ações ininterruptas de vigilância e fiscalização por meio de suas 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), descentralizadas em 29 Bases de Proteção Etnoambiental (Bape), localizadas estrategicamente em Terras Indígenas da Amazônia Legal. Dessas 25 Bapes, cinco foram inauguradas e quatro reativadas pela atual gestão da Funai.

Só em 2021, a fundação investiu mais de R$ 34 milhões em operações de fiscalização em Terras Indígenas de todo o país. Está em curso ainda a contratação de pessoal temporário para atuar em barreiras sanitárias e postos de controle de acesso, o que constituirá um reforço à proteção das áreas com presença de grupos isolados e de recente contato. Ao todo, foram disponibilizadas 776 vagas para atuar nas unidades descentralizadas da fundação na Amazônia Legal".

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