Por Vivian Souza, g1


Plantação de milho seca em propriedade no interior do Rio Grande do Sul — Foto: Reprodução/RBS TV

Desde o início de 2022, produtores têm perdido suas plantações e seus rebanhos. Apesar de o resultado ser igual, a causa muda conforme a localidade. No Sul do país, o motivo do prejuízo é a seca. Já no Centro-Oeste, Nordeste e em alguns pontos do Sudeste, a razão é a intensidade das chuvas.

Este cenário distinto é consequência do fenômeno climático La Niña, que acontece quando há o resfriamento das águas do Oceano Pacífico, afetando a América do Sul e, no caso do Brasil, diminuindo as chuvas no Sul e as aumentando no Centro-Norte, explica o agrometeorologista e diretor da consultoria AgroClima, Marco Antônio dos Santos.

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O evento, que normalmente ocorre intercalado com o El Niño, já está em seu segundo ano consecutivo, surpreendendo produtores que esperavam se recuperar da estiagem de 2021, relata Marcos Brambilla, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep).

O estado já perdeu cerca de 40% da safra deste ano, tendo municípios em que os prejuízos são maiores. Em Marechal Cândido Rondon, o número sobe para 80%, segundo a instituição.

Além disso, a La Niña é agravada por outros 2 fatores, segundo Santos:

  • o Atlântico Equatorial e o Norte muito quentes, o que favorece que os corredores de umidade, vindos da Amazônia, se mantenham sobre a faixa Centro-Norte do Brasil.
  • o Atlântico Sul, região que banha toda a costa do Sul do Brasil, mais frio do que o normal. Isso desfavorece que as frentes e os corredores de umidade se mantenham sobre o Sul e, por isso, as chuvas ficam escassas.

Fortes chuvas alagam plantações em Minas Gerais — Foto: Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg)

De onde vem a La Niña?

A La Niña é o oposto de outro evento climático bem famoso, o El Niño. Este último se trata do aquecimento das águas do Oceano Pacífico. Quando ele acontece, o Sul é onde as chuvas ocorrem com mais frequência e a estiagem se mantém ao Norte do país.

Não existe uma explicação sobre o porquê estes aquecimentos e resfriamentos do oceano, diz Santos.

Ambos os fenômenos não são recentes: o agrometeorologista explica que já se estuda a La Niña desde a década de 40 no Brasil.

Dessa vez, a La Niña está acontecendo há mais de 2 anos. Em 2020, ela teve início, com uma breve pausa em meados de 2021 e retornando por volta de novembro do ano passado.

“Esses eventos são de escala anual. Só que não é normal terminar o fenômeno e começar o mesmo (evento) de novo, como voltou esse”, explica o meteorologista Francisco de Assis, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

A intensidade do evento e a sua duração são agravadas pelas mudanças climáticas globais, somadas à destruição da vegetação nativa, aponta Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

“Nós não podemos dizer que o que está ocorrendo agora é 100% causado pelas mudanças do clima, mas a gente tem certeza de que esse pode ser o novo normal em um planeta aquecido, como está sendo previsto nas próximas décadas”, ressalta.

Lavouras perdidas

Na prática, tudo isso acarreta perdas nas lavouras. Em Minas Gerais, por exemplo, houve falta de energia, plantações alagadas, pecuaristas tendo que evacuar os animais devido às enchentes e o resgate de moradores ilhados na zona rural, narra Aline Veloso, gerente técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg).

Produtores em Minas Gerais têm que remover porcos de granja devido às chuvas, assista:

Chuvas alagam granja em Minas Gerais e porcos têm que ser removidos

Chuvas alagam granja em Minas Gerais e porcos têm que ser removidos

De acordo com Aline, todo o estado foi afetado e os cafezais foram os maiores prejudicados. Essa cultura enfrentou a seca em 2020; em 2021, as geadas e, agora, foi alagada.

Outras localidades de potencial agrícola que também sofreram com o excesso de chuvas foram Goiás, Norte de Mato Grosso, Sul de Tocantins, Sul da Bahia e Espírito Santo.

Na Bahia, produtores perdem canavial por causa das enchentes, veja VÍDEO:

Chuva alaga canavial na Bahia

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Do lado da seca, estão Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sul de Mato Grosso do Sul e Paraná, onde a estiagem fez com que alguns produtores desligassem o seu sistema de irrigação e, em alguns pontos, ficassem também sem água para beber, diz Brambilla.

Com as lavouras de milho, soja, leite, feijão, arroz, mandioca, tabaco e seda prejudicadas, o presidente da Fetaep diz que há perda na capacidade de investimento e manutenção das propriedades. Ele afirma ainda que, em maioria, são afetados os agricultores familiares.

De acordo com Brambilla, a seca faz com que o pouco que os agricultores conseguem produzir virem itens de baixa qualidade. “O tabaco se perdeu muito porque a folha não se desenvolveu, a folhinha está fraquinha, de baixa qualidade”, exemplifica.

Seja chuva, seja seca, os produtores têm recorrido à ajuda de bancos e, principalmente, do seguro rural, para diminuir o impacto das perdas, apontam as federações.

40% das lavouras do Paraná foram prejudicadas pela falta de água. — Foto: Marucha Szydlovski

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De mudança

Com as mudanças climáticas, pode ficar cada vez mais difícil para os produtores planejarem o cultivo. Isso porque a previsibilidade meteorológica é um fator fundamental para o setor, principalmente, quando se considera que 95% da agricultura brasileira não é irrigada, aponta o pesquisador do Ipam Moutinho.

“A agricultura brasileira está na mira da mudança climática, seja ela a regional ou a global, que é muito abastecida pelo desmatamento”, diz. O pesquisador explica que, com esses eventos agravados, há ainda “um custo para a produção que não estava na conta até então”.

Ele relata que está ocorrendo um deslocamento geográfico do “envelope climático” ou “ótimo climático”, que significam as condições ideais para o plantio de determinada cultura.

“Devido às mudanças de clima e ao desmatamento, esse envelope, esse ótimo climático está se deslocando para outro lugar e isso tem sido muito rápido. O que faz com que caia a produtividade naquele lugar, que era considerado bom climaticamente”.

Apenas no Centro-Oeste, 28% das áreas agrícolas produtoras de milho e soja saíram do ideal climático, revela pesquisa publicada por cientistas brasileiros e norte-americanos na revista Nature Climate Change.

Segundo o estudo, é possível que, em uma década, este número suba para 50% e, em 30 anos, para 70%.

Com esse deslocamento, as fazendas podem ter que mudar de lugar para manter a produção, analisa Moutinho.

“Então, o prejuízo futuro de continuar na mesma rota de destruição florestal e de avanço da mudança do clima é uma dificuldade grande de o Brasil produzir commodities e alimentos. Isso está diretamente relacionado com a segurança alimentar do país, que consequentemente trata da segurança nacional”, afirma.

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