O ano mal começou e o bestialógico na política já se faz presente. Duas recentes declarações expressas pelos dois ponteiros da campanha eleitoral à Presidência revelam o atraso em que vivemos.
A primeira foi dada por Jair Bolsonaro, ao se referir a pessoas “taradas por vacinas”. Incrível como o presidente da República insiste em um tema já superado. E em um país onde a imunização conta com amplo apoio, inclusive por parte da maioria daqueles que o cercam.
O Brasil — ainda bem — há muito adotou a cultura das vacinas. Por isso mesmo, em meio às dificuldades e precariedades no acesso à saúde, sobrevivemos e reduzimos a mortalidade infantil. Tudo por causa da existência do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), da boa qualidade de nossos profissionais na área e do imenso sucesso do nosso programa de vacinações.
A insistência da narrativa antivacinas representa um grave retrocesso. Desde 1985, com o programa de autossuficiência em imunizantes, o Brasil conseguiu erradicar diversas doenças. Além disso, nossa produção permite a oferta de fármacos para outros países.
Agora, a Fiocruz vai produzir o ingrediente básico da AstraZeneca contra a Covid-19 e em breve o Instituto Butantan também cobrirá todo o processo de produção de sua vacina. Sermos “tarados por vacinas” salvou milhões de brasileiros. É incrível que a morte de milhões no mundo não seja capaz de sensibilizar uma minoria de nefelibatas.
“O debate sobre vacinas e reforma trabalhista é um negacionismo que não interessa ao país”
A segunda declaração a revelar o atraso de nossa política foi dada por Luiz Inácio Lula da Silva contra a reforma trabalhista. O ex-presidente usou como exemplo a revogação parcial da legislação espanhola. Obviamente, o que preocupa os aliados sindicalistas de Lula é o fim da contribuição sindical obrigatória, que patrocinava aqui campanhas eleitorais, mordomias e, infelizmente, corrupção.
A “boca” da contribuição sindical deflagrou uma febre de criação de sindicatos de araque país afora. Lula não é bobo e sabe o que ocorria no mundo sindical. Daí voltar a embarcar nessa canoa é um contrassenso. O modelo trabalhista brasileiro, ainda que com discretos aperfeiçoamentos, foi e é um fracasso. Encarece o emprego, engorda os cofres públicos sem a devida contrapartida. É uma criação derivada do fascismo italiano cujo propósito foi instrumentalizar os sindicatos como aparelhos ideológicos. Por isso, muitos partidos têm um sindicato para chamar de seu — que termina sendo uma agremiação usada como máquina eleitoral.
O debate sobre vacinas e sobre a reforma trabalhista mostra os dois atuais ponteiros eleitorais navegando nas nuvens de um negacionismo que não interessa ao país. Temos de continuar vacinando e temos de ampliar a cobertura vacinal para crianças. Temos de fortalecer o SUS e implementar reformas — não apenas a trabalhista — que promovam o emprego maciço e o desenvolvimento social, que libertam o indivíduo da tutela corporativista ou estatal.
Tanto Lula quanto Bolsonaro são políticos do século XX com ideias do século XIX. Ainda bem que o Brasil tem a capacidade de criar instituições públicas e privadas robustas que resistem ao reacionarismo de ambos.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772