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Chips provocam corrida entre nações para não mais depender da China

Estados Unidos e Europa estão distribuindo milhões em incentivos para construir fábricas de microcomponentes em seu território

Por Caio Saad 15 jan 2022, 08h00

Os semicondutores, materiais que conduzem correntes elétricas na forma de microchips, são a espinha dorsal do mundo interconectado. Presentes em todos os recantos do universo eletrônico no papel de cérebro de máquinas que vão de simples calculadoras a automóveis, aparelhos de TV, smartphones, videogames, passando pelos equipamentos de exploração espacial, eles se tornaram cruciais para a cadeia produtiva mundial — e, desde a pandemia, também uma enorme dor de cabeça global. A elevada procura após quase um ano de demanda reprimida, período em que as esteiras seguiram apenas parcialmente operantes, e a concentração da fabricação em alguns poucos países colocaram os semicondutores no centro de um ringue em que setores diversos se estapeiam para ver quem fica com a produção de indústrias que já operam com capacidade máxima. Indo além das leis de mercado, a briga por chips transbordou para uma guerra geopolítica: diante da extrema dependência do fornecimento asiático, ainda mais evidente agora, Estados Unidos e Europa estão distribuindo milhões em incentivos para construir fábricas de chips em seu território.

Depois de explodir em 2021, com crescimento de 26% e faturamento de 550 bilhões de dólares, a venda mundial de chips deve continuar em franca ebulição, segundo as projeções. A maior produtora é, de longe, Taiwan — lá, uma única empresa, a TSMC, fornece quase metade de todos os semicondutores do planeta. Os chips da ilha são tão essenciais para o mundo que parte da escassez atual se deve a duas secas sem precedentes, que provocaram uma redução forçada no fornecimento taiwanês nessa indústria que é movida a enormes volumes de água. Juntas, Taiwan e China respondem por 70% dos chips que o mundo consome — e a aberta intenção de Pequim de engolir a ilha, hoje um país reconhecido por poucos e amparado quase unicamente pelos Estados Unidos, faz o Ocidente tremer. “A escassez atual expôs os riscos geopolíticos da dependência tecnológica”, alerta Raluca Csernatoni, pesquisadora do instituto Carnegie Europe, sediado em Bruxelas.

NA BRIGA - Biden: a ideia é dar incentivos à produção em solo americano -
NA BRIGA - Biden: a ideia é dar incentivos à produção em solo americano – (Drew Angerer/AFP)

Os Estados Unidos continuam a ser o motor da pesquisa e desenvolvimento de chips, uma atividade dominada por empresas do Vale do Silício, como Nvidia e Qualcomm, e cada vez mais requisitada diante da acelerada especialização dos semicondutores. Em relatório recém-publicado, a Casa Branca destacou as vantagens de estar à frente no design do produto, mas a posição perde força quando se constata que os chips que os americanos criam são, quase todos, feitos na Ásia. Devolver para os Estados Unidos a cadeia produtiva de diversos itens considerados estratégicos era uma bandeira de Donald Trump, que para isso impôs tarifas extras e termos duros para o comércio, principalmente com a China. A política não teve muito resultado — até a pandemia chegar e estabelecer a desordem nas engrenagens do fornecimento, levando as empresas a repensar sua localização.

O governo de Joe Biden está empenhado agora em passar no Congresso uma lei com o objetivo de reservar um aporte bilionário para impulsionar a proliferação de fábricas de chip em solo americano, uma tentativa de escapar das garras do dragão chinês. Enquanto a bolada não vem, injeções de verbas estaduais começam a mudar a paisagem. A Micron Technology, sediada no estado de Idaho, anunciou recentemente que vai investir 150 bilhões de dólares nos próximos dez anos em pesquisa, desenvolvimento e fabricação dos tão disputados chips no seu local de origem. Também a sul-coreana Samsung reservou 17 bilhões de dólares para erguer uma fábrica de semicondutores no Texas.

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arte Chips

Igualmente preocupada em garantir pronto acesso aos componentes do mundo digital, a União Europeia formula um projeto de lei que mira alavancar de 5% para 20% seu quinhão no mercado de semicondutores até o fim da década. Os maiores investimentos são na região de Dresden, na Saxônia, localizada na antiga Alemanha Oriental — a região, apelidada de “Vale do Silício saxão”, fornece hoje um de cada três chips feitos na Europa e tem entre seus compradores gigantes como Apple, Samsung e Amazon. Os semicondutores floresceram ali nos anos 1990, aproveitando a oferta de especialistas em microeletrônica treinados pela Alemanha comunista e desempregados após a queda do Muro de Berlim. A ideia agora é abrir a Saxônia a imigrantes qualificados e aumentar assim em quase 50% a força de trabalho dedicada aos chips. Na contramão global, o mercado brasileiro perdeu sua única fábrica de chips (também a única do Hemisfério Sul) em junho, quando o Ministério da Economia fechou o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada, estatal criada em 2008. De fato, a empreitada estava dando prejuízo aos cofres públicos. “Alcançar uma posição de força na cadeia de produção dos semicondutores leva tempo e é tarefa difícil para quem está chegando”, afirma a especialista Raluca Csernatoni. Pelo visto, vamos continuar produzindo apenas commodities no grande jogo global. Quase nada de tecnologia.

Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

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