SUSTENTABILIDADE Frutos perfeitos são obtidos pelo sistema de agrofloresta: cacaueiros plantados à sombra de árvores nativas e riqueza de sabores (Crédito:Jambeiro)

Uma janela de negócios muito importante para o Brasil no mercado externo foi aberta em 2019, quando a International Cocoa Organization (IOC) reconheceu o País como produtor de cacau fino de aroma para exportação. Hoje, 100% do que é exportado nesse segmento têm essa qualificação, com base em estudos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Ainda há o que evoluir, tanto no caso do cacau de qualidade extrema como no resultado final ­—­ o chocolate “bean-to-barn” (do grão à barra). Mas importantes prêmios internacionais atestam: os melhores chocolatiers do mundo apostam no desenvolvimento da matéria-prima brasileira.

A empresária Carolina Neugebauer, da Cacau Noir, afirma que as fazendas vêm fazendo um ótimo trabalho, ainda que seja preciso aprimorar ainda mais o processo de qualidade. Sua família fundou a primeira fábrica de chocolate nacional, em Porto Alegre, ainda em 1903, mas a empresária — eleita pela revista Forbes entre os destaques até 30 anos do Brasil em 2021 — optou por investir em produtos de excelência. Os frutos têm origem na fazenda Gandu, no Sul da Bahia, e de famílias agricultoras do Pará, e Carolina acredita que até pela produção sustentável o Brasil possa se destacar ainda mais na cena internacional nos próximos anos.

SOFISTICAÇÃO A empresária Carolina Neugebauer, proprietária da Cacau Noir, aposta em produtos nobres: negócio em ascensão (Crédito:Claudio Gatti)

Depois da praga da vassoura-de-bruxa de 1989, a retomada “na cabruca” (sistema de agrofloresta, com cacaueiros à sombra das árvores nativas) se deu com uma importante evolução técnico-científica, de acordo com Orlantildes Pereira, presidente da Coopercabruca, que reúne 14 cooperativas menores do Sul da Bahia. Esse avanço passou pela qualificação de mão de obra, exigências na hibridagem de sementes e em todo o processo de produção, principalmente na fermentação, para ressaltar sabores frutais, florais, amendoados. Hoje a Coopercabruca certifica o cacau fino de 105 produtores pequenos e médios, com a Indicação Geográfica (IG) “Sul da Bahia”. Em 2021, meia tonelada de líquor (amêndoas torradas e prensadas) foi exportada para uma associação suíça, que deve colocar no mercado um chocolate com marca de origem. Premiações internacionais atestam há uma década o reconhecimento do segmento fino de cacau e de chocolates brasileiros. Em dezembro de 2021, o País chegou a uma tríplice premiação, inédita, no Salão do Chocolate de Paris. João Tavares, maior produtor de cacau fino no país, e sua mãe foram ouro e prata do continente com amostras de fazendas do Sul da Bahia (ele já tinha sido premiado em 2010 e 2011); e o produtor familiar João Evangelista levou uma prata para o Pará. A família Tavares produz cacau desde 1913, mas o produtor ainda vê distância de denominações por terroirs, como no caso de vinhos, “porque a variedade de solo, clima, topografia de cada local é grande e a comercialização é mais por fazendas”.

QUALIDADE João Tavares, maior produtor de cacau fino do Brasil, foi premiado no Salão de Paris: denominação de origem (Crédito:Divulgação)

A Dengo, da gerente de produtos Luciana Lobo, tem cacau fino de mais de 200 produtores pequenos e médios em seus chocolates premium. Para ela, a qualidade brasileira desperta cada vez mais interesse do público especializado do exterior, como prova o Concurso Nacional de Qualidade do Cacau Especial do Brasil, que em novembro de 2021 chegou à terceira edição em Ilhéus, promovida pelo Centro de Inovação do Cacau da Bahia (CIC-BA). “Até as grandes indústrias estão prestando mais atenção no segmento fino e criando novas linhas. A tendência é por esse algo mais puro de origem — e pela valorização do que é brasileiro”, diz Lobo.

O Pará passou a Bahia na produção nacional de cacau, segundo Fernando Mendes, que chefia o Centro de Pesquisa do Cacau do Pará e do Amazonas. Dos 205 mil hectares de cacau no Estado, 10 mil são de agricultura familiar, na bacia do Rio Tocantins, com a maior parte da exportação saindo da região de Tomé-Açu para o Japão, depois Áustria e Holanda. “Ainda não temos nada parecido com terroirs. No caso do cacau fino, enviam-se amostras a compradores que fazem vários testes — físicos, químicos e principalmente sensoriais”, explica. Assim, o Pará enviou amostras de 15 regiões para Darin Suhka, um dos maiores pesquisadores e classificadores de cacau do mundo, e espera-se o lançamento do Mapa Sensorial de Cacau do Pará em fevereiro, como estratégia para transformar a matéria-prima brasileira em referência mundial.