Política

Bolsonaro diz que nunca acusou Anvisa de corrupção e que não havia motivo para ‘carta agressiva’ de Barra Torres

Presidente admitiu que se tivesse tido mais convivência com contra-almirante talvez não o tivesse indicado para a agência
O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, com o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, ao fundo Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/10-03-2021
O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, com o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, ao fundo Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/10-03-2021

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro comentou pela primeira vez nesta segunda-feira a carta divulgada no sábado pelo presidente da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres , em que exigiu que o chefe do Executivo se retratasse das suspeitas levantadas sobre o órgão envolvendo a liberação da vacina contra a Covid-19 para crianças. Em entrevista a rádio ‘Jovem Pan’, Bolsonaro disse que não acusou ninguém de corrupto e afirmou que não havia motivo  para o tom agressivo de Barra Torres.

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— Eu me surpreendi com a carta dele. Carta agressiva, não tinha motivo pra aquilo. Eu falei: ‘o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?’. Ninguém acusou ninguém de corrupto, tá?  E, por enquanto, eu não tenho o que fazer pra tocante a isso aí —  disse.

Em um comunicado divulgado no fim de semana, Barra Torres desafiou Bolsonaro a apresentar informações sobre o indício de corrupção no órgão, após em uma entrevista o presidente ter criticado a autorização dos imunizantes para a faixa etária de 5 a 11 anos , questionando “qual o interesse da Anvisa por trás disso aí?  Qual o interesse das pessoas taradas por vacina.”

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"Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar", escreveu Barra Torres.

Na entrevista, ao responder sobre a possível influência política em agências, Bolsonaro voltou a falar sobre que é comum ver agências "criando dificuldades para se vender facilidades" e que algumas têm "poder maior que o próprio ministério". Em seguida, entretanto, Bolsonaro disse que não queria fazer nenhuma ilação sobre a Anvisa.

— Não quero acusar a Anvisa de absolutamente nada. Agora, que tem alguma coisa acontecendo, não tem a menor dúvida que tem. Pelo que estou sabendo agora, vai deliberar sobre a Coronavac para crianças a partir de 3 anos de idade. Não sei o que acontecerá no final mas a Anvisa vai tomar sua posição e de uma forma ou de outra vai sofrer críticas também.

O presidente da República disse que não interfere na Anvisa, mas admitiu ter questionado Barra Torres sobre a vacinação para crianças e voltou a defender que o órgão poderia atuar de maneira diferente.  Bolsonaro disse que após nomeação para a agência o contra-almirante da Marinha ganhou “luz própria”.

—  A Anvisa, ninguém sofre interferência, é um órgão  independente, mas acredito que o trabalho poderia ser diferente, né? Agora ele (Barra Torres) pode rebater agora em cima dessa crítica. Quem decide é ele, eu sei que é ele que decide. Eu nomeei pra lá e  depois da nomeação ele ganhou aí luz própria, né? —   disse.

Em outro momento da entrevista, Bolsonaro disse que não conhecia Barros Torres além de sua vida militar e admitiu que se tivesse tido mais convivência talvez não o tivesse indicado para presidente da Anvisa.

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— Não tinha conhecimento da vida pregressa do Barra Torres a não ser como militar e nada pesava contra ele. Não tinha convivência com ele. Se tivesse tido convivência, talvez não o indicasse. Não quero dizer com isso nenhuma crítica desabonadora em relação ao Barra Torres, muito pelo contrário —   afirmou.

Apesar de dizer que nunca falou em desvios na Anvisa,  Bolsonaro afirmou que “nenhum órgão está livre de corrupção” e citou a Operação Rarus da Polícia Federal, deflagrada em novembro, contra fraude de medicamentos de alto custo. A investigação apura se houve envolvimento de antigos dirigentes da Anvisa.

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—  Eu não acusei a Anvisa de corrupção, eu  perguntei  o que está  por trás dessa gana, dessa sanha  vacinatória. Até porque eu e o governo federal compramos até o momento em torno de quatrocentos milhões de doses de vacina. Mesmo proporcionalmente é um dos países que mais vacinou no mundo, tudo trabalho do governo federal. E eu sempre lutei pela liberdade da pessoa,  quem quiser vacina toma, quem não quiser não toma — disse.

Barra Torres até 2025

Apesar das divergências, Bolsonaro não pode demitir Barra Torres, que tem mandato até 2025 na presidência da Anvisa. O contra-almirante, inicialmente, chegou, em julho, de 2019, para assumir uma das cinco diretorias da agência cercado de desconfiança pela proximidade com o presidente. Cinco meses depois passou a responder como diretor-presidente substituto da agência reguladora.

A desconfiança de que o militar poderia não blindar a agência da interferência política aumentou quando em março de 2020, no início da pandemia da Covid-19, Barra Torres surgiu ao lado de Bolsonaro em um ato  na frente do Planalto no qual protocolos sanitários foram amplamente descumpridos pelo presidente. Na ocasião, servidores da agência divulgaram uma nota de repúdio.

Hoje, o diretor-presidente da Anvisa conta com a confiança dos técnicos do órgão. Foram justamente os debates em torno da vacina que ajudaram Barra Torres a mudar sua imagem.  Em novembro de 2020, os estudos clínicos da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, por decisão da área técnica, por um evento adverso, mas foi retomado 32 horas após com o esclarecimento do caso. Bolsonaro havia comemorado a suspensão da pesquisa em suas redes sociais.

Desde então, Barra Torres tem se afastado de Bolsonaro contrariando o presidente publicamente. Na CPI da Covid, o depoimento do presidente da Anvisa foi considerado péssimo para o governo. Outro momento rumoroso foi quando um fiscal da agência reguladora interrompeu, em setembro do ano passado, um jogo entre Brasil e Argentina porque jogadores argentinos não cumpriram quarentena. Recentemente, Barra Torres também saiu em defesa de servidores da Anvisa que passaram a ser alvo de ameaças e disse que “negacionistas buscam dificultar o trabalho” do órgão.