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De Jorge Jesus a Paulo Sousa, o que explica o interesse dos brasileiros por técnicos portugueses

Flamengo e Palmeiras terão técnico de Portugal, enquanto Atlético-MG segue em busca
Paulo Sousa vestiu a camisa do Flamengo Foto: Alexandre Vidal / Flamengo
Paulo Sousa vestiu a camisa do Flamengo Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Durante sua passagem por Portugal, de onde retornou com Paulo Sousa contratado para comandar o Flamengo, o vice de futebol Marcos Braz foi enfático em entrevista ao jornal local “A Bola”:

— Não vim contratar o Jorge (Jesus). Vim contratar um técnico português e uma comissão portuguesa.

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A convicção do dirigente se assemelha às prioridades da cúpula do Atlético-MG na busca por um treinador. Os dois primeiros alvos (Jesus e Carlos Carvalhal) são de Portugal, mesmo país de Abel Ferreira, bicampeão da Libertadores pelo Palmeiras. É significativo que os três clubes mais ricos da Série A possam começar 2022 treinados por portugueses.

Embora não seja novidade no Brasil, a presença deles se intensificou nas últimas duas temporadas. Houve as experiências com António Oliveira, no Athletico; Ricardo Sá Pinto, no Vasco; Jesualdo Ferreira, no Santos; além dos exemplos mais bem-sucedidos: Abel, no Palmeiras; e Jesus, no Fla. Mas o que explica a procura pela nacionalidade?

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A explicação passa pela globalização do mercado. A maior presença de técnicos estrangeiros escancarou a defasagem interna. Argentinos, portugueses e espanhóis desembarcaram no Brasil com formação mais profunda e maior conhecimento multidisciplinar. Muitos deles, se não conquistaram títulos, chamaram a atenção pela metodologia de trabalho.

Dois fatores em especial fazem Portugal se sobressair. Um deles é fácil de se deduzir: a língua.

— Nesta movimentação de mercado atual você teve não só o Flamengo, mas vários clubes brasileiros atrás de técnico. E tive clientes europeus com treinadores de outras nacionalidades, de língua inglesa, italiana e espanhola que estariam, num primeiro momento, dispostos a ouvir a possibilidade de treinar um time brasileiro. Mas os clubes respondem: “E como fica a questão do idioma?” — conta o advogado Marcos Motta, que acumula quase 30 anos no mercado e atua na intermediação de transações envolvendo os principais clubes do Brasil e do mundo.

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Também pesa a relação já consolidada entre os dois países no mercado. Um relatório publicado pela Fifa em agosto aponta que entre 2011 e 2020 o fluxo de transações mais frequente no mundo foi Brasil-Portugal, com 1.556 transferências. As movimentações no sentido inverso (934) ocupam o terceiro lugar.

— Esta relação que hoje se experimenta com técnicos sempre existiu com jogadores — complementa Motta. — É o maior canal de negócios do futebol no mundo.

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Claro que, para esta onda de técnicos portugueses não ser apenas um modismo, é preciso haver qualificação. E ela é garantida através de uma escola de formação que já soma três décadas e hoje possui status de grife.

Aposta acadêmica

De tão conceituado, parte do currículo do curso da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) é utilizada como referência pela Uefa em outros países. Ele oferece quatro níveis de licença, que exigem dedicação, estudos e tempo dos alunos. Afila de interessados é longa.

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Tendo o hoje técnico da Roma José Mourinho como nome mais badalado, a atual geração se destaca ao redor do mundo. Entre seus principais representantes estão Leonardo Jardim, campeão francês em 2016 com o Mônaco e hoje no Al-Hilal; e André Villas-Boas, campeão da Liga Europa em 2011 com o Porto e da Copa da Inglaterra, em 2012, pelo Chelsea.

Para Israel Teoldo, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Futebol da Universidade Federal de Viçosa, professor da CBF Academy e consultor da FPF, o futebol português deu uma guinada na primeira década deste século. É quando há um movimento de estreitar ainda mais os laços entre o esporte e as universidades, levando conhecimentos na área da ciência, da psicologia e da pedagogia para a prática.

— Quando você traz a ciência, traz a inovação e o conhecimento — reflete Teoldo. — Eles coletam dados, por exemplo, do que ocorre no Campeonato Português, na Champions e na Copa do Mundo. A partir deles, produzem o conteúdo que interessa ao futebol de Portugal.

O modelo português é considerado competitivo no cenário europeu, que tem os alemães em grande momento. Mas, no contexto brasileiro, este destaque acaba sendo muito maior.

— A CBF Academy, através dos cursos, é responsável por disseminar o conhecimento. Para a produção do conhecimento genuíno sobre o futebol brasileiro é importante que o projeto Science (braço do programa voltado justamente para este fim) seja posto em prática de forma completa — opina Teoldo, para quem a invasão portuguesa está obrigando clubes e profissionais brasileiros a mudarem.

— A primeira coisa que o Jesus atacou ao chegar em 2019 foi a recuperação. A metodologia que implementou no Flamengo fez com que ninguém se machucasse. Já o Abel traz uma contribuição tática muito importante. É um grande estrategista.