O que Julia Roberts, Kirk Douglas, Meg Ryan e Peter Jackson têm em comum? Além de serem grandes personalidades de Hollywood, estão entre os milhares de profissionais da indústria cinematográfica em todo o mundo que assistiram aos cursos do lendário Robert McKee, o professor de roteiros mais famoso da história. Seu livro “Story” é um clássico lido há décadas por estudantes de cinema e referência para quem trabalha na área. Em “Storynomics”, sua nova obra, o americano de 80 anos amplia o alcance de sua mensagem ao abordar técnicas de storytelling e comunicação corporativa. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o autor reafirmou o que ensina na sala de aula para seus alunos: os elementos que nos encantam em uma boa história permanecem os mesmos há séculos.

A maneira de contar histórias mudou com a internet?
Não. Apesar de todas as mudanças tecnológicas, a natureza humana não mudou. Às vezes ela não é muito bonita, mas é o que temos. Nossa mente absorve a estrutura de uma boa história como se fosse uma máquina. Na minha opinião, isso não vai mudar até que haja uma grande alteração genética na natureza humana.

Séries no streaming fazem mais sucesso que filmes. Qual é a diferença entre contar uma história em duas horas ou dez episódios?
É apenas uma diferença de duração. No YouTube, contamos histórias em 30 segundos. Em séries de TV e novelas, pode levar mais de 100 horas. Em um formato muito longo é mais difícil manter o interesse do público nos personagens principais, principalmente no protagonista. Ele precisará ficar um tempo muito longo sem realizar o desejo ou a necessidade que o move na trama.

DO OUTRO LADO O ator Brian Cox (à dir.) interpreta Robert McKee em “Adaptação”: guru de Hollywood ficou tão popular em Hollywood que virou personagem da ficção (Crédito:Alamy)

O senhor já deu aulas em instituições muito diferentes, da NASA à Igreja Católica. O que as histórias que elas querem contar têm em comum?
O nível de abstração que ensino funciona em diversos níveis. A NASA quer colocar um satélite em órbita, uma organização religiosa quer levar as almas para o céu. Ambas têm um desejo que precisam atender. A Igreja lida com o diabo, a Nasa, com bilhões de quilômetros de distância. Os obstáculos são diferentes, mas o desejo que motiva os personagens envolvidos é universal.

Por que algumas histórias são mais populares em alguns países que em outros? É por causa do mito do herói?
É preciso ter cuidado com a palavra herói. Quase ninguém é um herói. Um herói é alguém que se arrisca ou sacrifica a vida por outro ser humano. Só fazemos isso por nossos filhos. Prefiro a palavra protagonista. O que muda é o conjunto moral de determinada cultura. O que é bom ou mau, certo ou errado, é tudo muito relativo.

Há culturas mais voltadas para a criação de histórias que outras?
Os maiores contadores de histórias tendem a ser de culturas menos favorecidas, os irlandeses, os judeus, os negros. São culturas que sofreram alguma tirania colonial ou imperial. Eles costumam recuar e olhar o mundo de uma forma muito clara. Pessoas com poder tendem a ser cegas para a verdade.

“A fonte de criatividade no cinema é o roteirista, não o diretor. O que ocorreu em Hollywood é que os melhores roteiristas migraram do cinema para a TV” Robert McKee, professor

Por falar em “verdade”, esse conceito mudou desde a eleição do ex-presidente Donald Trump?
A humanidade tem tendência para delírios e sempre há gente que acredita em fatos comprovadamente falsos. A mente interpreta a realidade. Os seguidores acreditam nas mentiras de Trump porque há uma motivação mais profunda. Não é uma questão sobre os fatos em si, é de identidade.

No Brasil acontece algo parecido…
Veja a questão do racismo. As pessoas que acreditam nas mentiras de Trump sabem que ele é um racista e se identificam com isso. Se alguém diz que “Trump está errado”, isso quer dizer que essas pessoas também estão erradas. E eles não podem estar errados. Têm de estar certos porque isso é parte de sua identidade. Na política, os fracos se identificam com os fortes porque eles os protegem.

Há alguns anos o cinema era mais complexo, voltado para temas adultos. Hoje os maiores sucessos são filmes de super-heróis. O que mudou?
A fonte de criatividade no cinema é o roteirista, não o diretor. O que ocorreu em Hollywood é que os melhores roteiristas migraram do cinema para a TV. Isso deu origem a grandes séries de TV, como “Sopranos”, “Breaking Bad”, “Succession”. Hollywood tem efeitos especiais e muito dinheiro. E o que se consegue fazer com isso? Filmes de super-heróis. Estamos em uma era de ouro para contar histórias para a tela, mas é na TV que isso tem acontecido.

É só em Hollywood ou algo global?
Há grandes histórias na Escandinávia, Israel e na Coréia do Sul, como vimos em “Round 6”. É uma série fantástica, uma sátira brilhante do mundo atual. Com o streaming, a arte de contar histórias se expandiu e tornou-se um fenômeno internacional. O mundo está contando narrativas maravilhosas agora, mas elas não estão no cinema.

Qual história gosta de contar para seus netos na hora de dormir?
Eles é que me contam histórias. Por pior que as coisas estejam, sou otimista em relação ao futuro. Meus netos têm um radar para bobagens, eles vêem as coisas com mais clareza que eu via quando era criança. Quando estiverem no poder, o mundo será mais racional.