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A pauta polêmica que aguarda André Mendonça no Supremo

Nos próximos 26 anos de atuação no STF, o novo ministro vai julgar casos sobre aborto, drogas – e a presença de símbolos religiosos em prédios públicos

Por Rafael Moraes Moura Atualizado em 4 dez 2021, 13h25 - Publicado em 4 dez 2021, 11h12

Desde a década de 1970, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ostenta um crucifixo do artista mineiro Alfredo Ceschiatti. Na época, a imagem de Cristo crucificado no ambiente de julgamento provocou incômodo entre alguns magistrados, que discordavam reservadamente sobre a presença de símbolos religiosos em espaços públicos — um tema que, como (quase) todas as grandes polêmicas nacionais, já foi judicializado e aguarda uma definição do próprio STF.

O debate sobre a separação entre Igreja e Estado e a influência da religião na atuação dos integrantes da Corte ganhou um novo capítulo quando o presidente Jair Bolsonaro cumpriu uma promessa e escolheu em julho o pastor presbiteriano André Mendonça para a vaga aberta com a aposentadoria do católico Marco Aurélio Mello – este, aliás, um crítico ferrenho da presença do crucifixo nas instalações do tribunal. Apesar da verborragia de Bolsonaro, Mendonça está mais para “genuinamente” do que “terrivelmente evangélico” e conta com um currículo que não deixa dúvidas das suas qualificações técnicas para assumir o cargo, na solenidade marcada para o próximo dia 16.

Dos atuais 10 ministros em atividade no Supremo, sete são católicos — Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski — e dois são judeus — o presidente da Corte, Luiz Fux, e Luís Roberto Barroso. A vice-presidente do STF, Rosa Weber, não informou a VEJA a sua religião, mas não é evangélica. Apesar da maioria católica, o Supremo não cede à pressão de grupos religiosos e de parlamentares conservadores e decidiu, ao longo dos últimos anos, autorizar o aborto de fetos anencéfalos, reconhecer união estável entre homossexuais e enquadrar a homofobia como crime de racismo. Por outro lado, o STF também decidiu que o ensino religioso em escolas públicas pode promover religiões específicas e ser ministrado por um padre ou pastor, por exemplo.

“Não se pode separar o indivíduo da sua função social, o que significa dizer que a nomeação do ministro André Mendonça carrega consigo a sua identidade, que é de um indivíduo declaradamente cristão e evangélico, entre outros valores morais pessoais que tem na construção de sua biografia de vida”, apontou o advogado João Paulo Echeverria, especialista na relação entre o direito e religião. “E o ato de julgar, ainda que nas balizas das leis e da Constituição, não faz desaparecer a realidade moral do indivíduo, seja na função de ministro ou na vida privada, em escolhas cotidianas. Em outras palavras, sua posição cristã altera sua forma de julgar, mas isso não significa dizer que a Corte será mais ou menos conservadora, mas apenas que a Constituição será interpretada pelo ministro a partir da sua identidade moral.”

Ao longo dos seus próximos 26 anos de atuação na Corte, Mendonça enfrentará uma série de questões espinhosas da chamada “pauta de costumes”, como a descriminalização do aborto, da maconha, o uso de banheiro por transexuais e a presença de símbolos religiosos em prédios públicos. “Como tenho dito quanto a mim mesmo, na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”, disse o futuro ministro durante a sabatina de oito horas na última quarta-feira, 1.

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A expectativa na Corte é que pautas de grande impacto social ganhem mais espaço no plenário da Corte só em 2023, na gestão de Barroso, ministro de perfil mais progressista — e entusiasta de ações afirmativas. “Um magistrado deve saber que uma coisa são suas crenças pessoais; outra, o ordenamento jurídico. O Poder Judiciário deve interpretar a lei à luz do argumento mais coerente com a Constituição, não com a sua crença”, observou a advogada criminalista Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Mendonça também mexe com a correlação de forças dentro do tribunal no que diz respeito a julgamentos de questões penais, como a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Em 2019, o Supremo impôs um duro revés à Operação Lava-Jato, mudou de jurisprudência e derrubou a execução antecipada de pena, o que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O placar, no entanto, foi apertado — 6 a 5, o que mostra que a maioria é frágil. Ou seja, qualquer mudança na composição da Corte pode levar a uma nova alteração no entendimento do tribunal. 

Ao escolher o “genuinamente evangélico” para o Supremo, Bolsonaro acena para um eleitorado que representa 31% da população, foi crucial para a sua vitória em 2018, mas que também tem torcido o nariz para os rumos da sua administração. Para Marco Aurélio, a religião não vai influenciar a posição do seu sucessor como ministro do STF. “Por que potencializar o fato de ele ser evangélico? O Estado é laico e Supremo é Estado”, afirmou o ex-ministro. Após o resultado da votação apertada no Senado, VEJA questionou Mendonça se ele ia comemorar a vitória — ou descansar depois de dormir apenas três horas na véspera. “Vou agradecer a Deus”, disse o futuro ministro do STF.

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