Por Deutsche Welle


Entenda como funciona o sistema de coalizão que vai definir o próximo chanceler na Alemanha

Entenda como funciona o sistema de coalizão que vai definir o próximo chanceler na Alemanha

Passada a eleição legislativa alemã, a chanceler federal Angela Merkel segue no cargo de forma interina até a formação de um novo governo. A rigor, a lei não prevê que um partido, por exemplo o mais votado, receba um mandato para formar um governo, ainda que tradicionalmente os próprios partidos costumem ver a situação dessa forma e falar em "mandato popular".

Não há prazo para o fim das sondagens e negociações entre os partidos. Em tese, portanto, Merkel pode ficar ainda alguns meses no cargo. Na Alemanha costuma-se usar o Natal como referência, pois tradicionalmente o chanceler federal se dirige à nação nessa época do ano.

O vencedor da eleição, o candidato do Partido Social-Democrata (SPD), Olaf Scholz, já foi questionado na televisão se espera fazer o discurso natalino deste ano no lugar de Merkel. "Faremos tudo para que isso ocorra", respondeu.

Se as negociações se alargarem, é possível que Merkel bata o recorde de um chanceler federal no poder. Isso ocorreria depois do dia 17 de dezembro. O recorde atual é do ex-chanceler Helmut Kohl, com 5.869 dias.

O poder de um chanceler interino

Como interina, Merkel continua exercendo o poder com todas as suas atribuições. Isso inclui a nomeação de ministros. Em tese, ela pode demitir os seus ministros, que também são interinos, e empossar novos.

Nesse período, Merkel deve também cumprir todos os compromissos de um chefe de governo na Alemanha. É muito provável, por exemplo, que ela estará na próxima reunião de cúpula do G20, em Roma, no fim de outubro.

Angela Merkel foi a primeira mulher a governar a Alemanha e a primeira vinda da Alemanha Oriental — Foto: Wolfgang Rattay/Reuters

Merkel não pode simplesmente levar para casa todos os presentes que recebeu no exercício do cargo. Isso é proibido por lei. Como os presentes foram dados ao chefe de governo, e não à pessoa que ocupa o cargo, eles são propriedade do Estado.

O novo chanceler

A eleição do novo chanceler federal é tarefa do Bundestag, que foi eleito na recente eleição e deve estar constituído até 30 dias após a eleição. Pelo rito, o presidente da Alemanha indica um nome para ser chanceler, e os parlamentares votam.

Em tese, o presidente pode indicar qualquer nome, até mesmo de alguém que não pertença ao Bundestag. Na prática, porém, só é possível governar com maioria no Parlamento. Assim, os partidos que conseguiram formar uma coalizão de governo sugerem um nome ao presidente, que então o coloca em votação.

Esse nome é o do candidato a chanceler do partido que lidera a coalizão. Desta vez, portanto, poderá ser o de Olaf Scholz, do SPD, ou de Armin Laschet, da aliança dos partidos conservadores União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU), conhecida como União. Essas são as duas únicas candidaturas com o número de votos que as habilita a liderar um governo.

A formação de uma coalizão de governo

Olaf Scholz, líder do Partido Social-Democrata da Alemanha, em imagem de 27 de setembro de 2021 — Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

A tendência de fragmentação do Bundestag, com um número maior de bancadas, cria dificuldades para a formação de uma coalizão de governo, pois partidos com projetos muito diferentes entre si precisam chegar a um acordo que lhes dê maioria no parlamento.

Para isso eles iniciam sondagens, que em algum momento resultam, ou não, em negociações. O que se negocia é a execução ou não das propostas que cada partido apresentou na campanha eleitoral, a distribuição dos ministérios e, ao fim, o acordo de coalizão, no qual consta tudo o que foi acertado para ser implementado na próxima legislatura.

Normalmente o partido mais bem votado inicia as sondagens com possíveis parceiros, dentro do espírito de "mandato popular" de formação de governo, como defendido pelos próprios partidos.

Este ano é diferente. O SPD, como vencedor das eleições, claramente se vê no direito de sondar outros partidos, no caso o Partido Verde e o Partido Democrático Liberal (FDP). Mas o candidato da CDU/CSU, Armin Laschet, também declarou num primeiro momento estar determinado a formar um governo.

No dia seguinte, em meio a críticas internas que só devem crescer nos próximos dias, e depois de lideranças conservadoras terem dito que a União claramente não saiu vencedora do pleito, Laschet recuou e disse que não vê o seu partido necessariamente com um mandato para a formação de governo. Mas repetiu que está pronto a formar um governo com os verdes e os liberais se isso vier a ser necessário.

Quem poderá se unir

Este ano há três possíveis coalizões de governo, considerando que todos os demais partidos descartaram de antemão uma aliança com o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), devido a suas posições extremistas.

Armin Laschet, candidato da União Democrata Cristã e premiê da Renânia do Norte-Vestfália, ao lado da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e de bombeiros em Schalksmuehle, no dia 5 de setembro — Foto: Reuters/Thilo Schmuelgen

As três opções são a chamada coalizão semáforo, por causa das cores verde, vermelho e amarelo dos partidos Verde, SPD e FDP; Jamaica, devido às cores da União, preto, e dos verdes e liberais; e, dada como improvável pelos participantes, a chamada Groko (sigla para Grande Coalizão, em alemão), que reúne as duas maiores bancadas, SPD e CDU/CSU.

A mais provável, ao menos neste estágio logo após a eleição, é a coalizão semáforo, pois seria liderada pelo partido vencedor, o SPD, ao lado de dois parceiros menores que já se mostraram dispostos a governar.

A probabilidade dessa coalizão cresce ainda mais porque o FDP sente a pressão para não repetir sua decisão de quatro anos atrás, quando abandonou as negociações que já se arrastavam há meses e ficou com o ônus de ter inviabilizado a formação de um governo.

Naquela vez, a decisão dos liberais acabou levando a uma reedição da Groko, o que o SPD havia descartado durante a campanha eleitoral, a exemplo do que os social-democratas e a União fazem agora.

A coalizão Jamaica também pode ocorrer, mas perdeu força depois de lideranças da CDU e da CSU terem deixado claro que entenderam o resultado das urnas como uma derrota e não como um mandato popular para formar um governo.

Quanto tempo pode durar

É impossível prever quanto tempo será necessário para que a Alemanha tenha um novo governo, mas a experiência da eleição anterior, que também resultou num Bundestag fragmentado, mostra que podem se passar várias semanas, até meses. Daquela vez o governo só foi formado depois de 172 dias, ou seis meses.

Em 2017, estavam em andamento as negociações para uma coalizão Jamaica, mas o FDP acabou puxando o freio de mão e saltou fora com o argumento de que a União estava fazendo muitas concessões aos verdes.

A frase com que o chefe dos liberais, Christian Lindner, justificou a decisão de abandonar as negociações entrou para o anedotário da política alemã: "Melhor não governar do que governar da maneira errada".

Diante do fracasso, surgiu a questão de se o SPD, contrariando sua promessa de campanha e o desejo da base, não aceitaria, afinal, entrar numa nova Groko com a União. Até o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, que é do SPD, apelou à direção do partido para que revisse sua posição. Os social-democratas acabaram aceitando, mas só depois de consultas internas aos filiados, abrindo assim caminho para a formação do quarto governo de Merkel.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!