Política

Aliado de Bolsonaro, delegado paraense é investigado por vazar informações da PF a garimpeiros

Derrotado na disputa pela prefeitura de Belém em 2020, o delegado Everaldo Eguchi tem trânsito livre nos ministérios

Eguchi cresceu no embalo da onda bolsonarista e o presidente chegou a pedir votos para ele em 2020. (FOTO: Redes sociais)
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Era 15 de maio. Jair Bolsonaro chega montado em um cavalo na Praça dos Três Poderes, em Brasília, para participar da “Marcha da Família Cristã Pela Liberdade”, um ato em apoio ao seu governo, organizado por ruralistas e religiosos. Sem máscara e com um chapéu de cowboy, ele sobe no palco onde estão presentes ministros, deputados, senadores e lideranças de sua base. Em cima da estrutura, dentre as personalidades enrouquecidas com os gritos de “Renan bandido”, estava o delegado Everaldo Eguchi, da Polícia Federal. Amigo do presidente, ele conseguiu a proeza de tornar-se alvo de uma investigação aberta pela própria corporação em que atua, por violação de sigilo funcional, corrupção passiva, corrupção ativa e associação criminosa, cujas penas, somadas, ultrapassam os 20 anos de reclusão.

Derrotado na disputa pela prefeitura de Belém em 2020, Eguchi tem trânsito livre nos ministérios

O delegado bolsonarista foi alvo da Operação Mapinguari, que culminou em seu afastamento imediato por ter vazado informações a uma organização criminosa, investigada pela extração ilegal de manganês no sudeste do Pará. Derrotado nas eleições para a prefeitura de Belém por Edimílson Rodrigues, do PSOL, o aspirante a político foi surpreendido com uma batida policial em sua casa, onde foram encontradas bolsas com pacotes de euros, dólares e ­reais, embrulhados em sacos plásticos – ainda não foi divulgado o valor apreendido com Eguchi. “O investigado tem se valido de sua função na Polícia Federal para alcançar fins ilícitos e ilegítimos, havendo se apropriado, de maneira pouco republicana, do aparelho estatal para privilegiar interesses próprios”, afirmou o MPF paraense no pedido de afastamento do delegado, prontamente acatado pela Justiça Federal.

Além da ironia de explorar o discurso do combate à corrupção como plataforma política, a figura do delegado intriga pela proximidade que possui com a alta cúpula do Planalto e por suas visitas frequentes a Brasília. Eguchi foi além do esperado nas eleições de 2020, quando conseguiu superar o candidato do governador Helder Barbalho para a prefeitura da capital, José Priante, e chegar ao segundo turno. O bom desempenho levou o delegado a se tornar uma das opções de palanque no Pará para apoiar a reeleição de Bolsonaro em 2022. Desde a saída de Bolsonaro do PSL, o delegado também deixou a sigla. Nas eleições municipais, candidatou-se pelo Patriota, mas também tem mantido encontros frequentes com Valdemar Costa Neto, do PL, e Roberto Jefferson, do PTB. Talvez os planos tenham de ser revistos.

O manganês extraído ilegalmente abastece países como China, Índia, Cingapura e Taiwan. (FOTO: Evaristo Sá/AFP)

A investigação remete a 2018, quando o delegado disputou uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSL, sempre com o lema de combate à corrupção e como membro do “Clube do Mito”. À época, a Polícia Federal colocou na rua a Operação Migrador, destinada a combater organizações criminosas que exploravam ilegalmente manganês no Pará. Foram expedidos 111 mandados judiciais, dos quais 24 eram de prisão preventiva e 52 de bloqueio de contas bancárias e sequestros de bens. Dentre os alvos, figuravam empresários, vendedores de maquinários, um vereador – apontado como o principal receptador – e até um policial militar, responsável por coletar a propina. Os prejuízos causados pela extração clandestina do minério, decorrentes do não pagamento de tributos e dos danos ambientais provocados, chegam à cifra de 87 milhões de ­reais. Mas os suspeitos conseguiram escapar do cerco policial, foram informados previamente sobre a batida.

Dois anos depois, é deflagrada a Operação Mapinguari, nome que faz referência a uma figura lendária protetora da floresta amazônica. Desta vez, o objetivo é saber quem avisou os garimpeiros sobre a operação e com qual interesse. As investigações levaram a PF até Eguchi. Ele é quem teria informado os criminosos em troca de doações para campanha eleitoral de 2018. Ao cumprir um mandado de busca e apreensão, os agentes encontraram mochilas cheias de dinheiro, com dólares, euros e notas de 50 e 100 reais, na residência do delegado, no bairro Sacramenta, em Belém. Outros seis empresários também foram alvo da operação, que emprega 35 policiais em quatro cidades: Belém, Marabá e Paraupebas, no Pará, e Goianésia, em Goiás.

O delegado afastado chegou a anunciar uma coletiva de imprensa para comentar o caso, mas acabou soltando uma apenas uma nota, na qual promete esclarecer os fatos “no momento correto” e acrescentou que seguirá levantando a bandeira de combate à corrupção, o que, segundo ele, “vem incomodando muita gente no atual cenário político do estado do Pará”. Ele reitera inocência e diz que o processo interno de 2018 da Polícia Federal trata de violação de sigilo funcional, e não de corrupção, “como está sendo veiculado em alguns meios de comunicação”.

Na casa do delegado, foram encontradas bolsas com pacotes de euros, dólares e reais, embrulhados em sacos plásticos

Quando foi cogitado para as eleições de 2020, Eguchi chegou na onda dos políticos outsiders, pegando carona no discurso bolsonarista e lavajatista, de combate à corrupção. Na região, é considerada uma figura excêntrica, sem muitos laços com políticos tradicionais, mas apoiado por empresários vinculados à pauta da direita. Faz oposição a Helder Barbalho, do MDB, e também tem um lado não muito publicizado: o das festas privadas que costuma fazer em sua casa e que podem durar dois dias.

“O presidente quer trabalhar, chega de roubos, corrupção e impunidade. Estamos do lado do que impulsiona o Brasil pra frente”, dizia nas redes. Bolsonaro, por sua vez, declarou apoio a Eguchi e disse que “se morasse em Belém votaria nele”. Outro lado curioso do delegado afastado é a sua atuação em Brasília. Ele tem trânsito livre nos gabinetes, onde apresenta “demandas do povo paraense”, como espécie de deputado federal ou prefeito informal. Em junho, ele esteve no Ministério da Saúde, onde se reuniu com a secretária de Gestão do Trabalho, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”. Na ocasião, pediu a ela mais profissionais de saúde para o Hospital da Amazônia. A secretária se comprometeu a ajudar a instituição privada, por meio do programa “Brasil Conta Comigo”. Nesse mesmo dia, ele esteve em um jantar no Diretório Nacional do PSL, onde se encontrou com o senador Flávio Bolsonaro, filho Zero Um do presidente, e com o Ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem se refere como “amigo” e com quem teve diversos encontros.

A PF ainda não revelou o valor apreendido. (FOTO: Redes sociais)

Em outra passagem por Brasília, ele levou ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, demandas referentes à Transamazônica. Nas publicações em redes sociais, ele diz que “mesmo sem mandato” busca alternativas para o povo paraense. Tarcísio, inclusive, parece ser um dos ministros mais admirados por Eguchi, que faz o papel de cicerone sempre que a comitiva presidencial desembarca em Belém ou em outra cidade paraense. É onipresente nos aeroportos, comitivas, palanques e jantares.

No início do governo Bolsonaro, ainda em 2019, o delegado chegou a ser cotado para assumir a superintendência do Ibama no Pará, mas um áudio vazado provocou celeuma na mídia e a sua indicação, feita pelos produtores de soja, acabou deixada de lado. Na ocasião, Eguchi afirmou que, se assumisse o cargo, o meio ambiente “andaria de braços dados com o agronegócio”. As declarações devem ter provocado ciúmes em Ricardo Salles, tamanho alinhamento com a antipolítica ambiental bolsonarista. “O Ibama vai agir de acordo com a lei, mas a lei pode ser interpretada para prejudicar ou para não prejudicar o produtor. E vamos utilizar a lei para ser usada de forma que não prejudique a produção”, disse Eguchi, referindo-se às atividades de pesca, minério e extração de madeira. Ao jornal O Globo, chegou a dizer que as equipes do Ibama atuavam para extorquir. “O capitão (Bolsonaro) tem interesse que o Brasil produza. O Ibama vai parar de extorquir, falando o português claro.” O delegado reconheceu que o áudio é autêntico, e tentou minimizar o impacto das declarações, dizendo tratar-se de um desabafo a produtores de soja. Não colou.

Nesta área, a família de Eguchi também enfrenta sérios problemas. Seu irmão, Eduardo, é empresário e teve os bens bloqueados pela Justiça do Pará em 2020 por crimes ambientais. Na decisão, o juiz da 5ª Vara de Fazenda Pública determinou o bloqueio de 3 milhões de reais por desvios de créditos florestais e desmatamento.

Tarcísio Freitas é um dos que estendem o tapete para Eguchi. (FOTO: MInfra)

A extração ilegal de manganês conta com uma rede complexa que envolve de políticos, vendedores de maquinários, agentes públicos, empresários até trades que negociam o minério com países como China, Cingapura, Índia e Taiwan. Há, porém, um mercado interno, sobretudo nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Segundo especialistas, o minério ilegal é extraído e toda a documentação é falsificada com o objetivo de “esquentar”, o produto dando uma aparência de licitude à atividade criminosa. Além de notas fiscais fraudulentas, a atividade conta também com apoio de organizações criminosas e até com milícias armadas, que têm como objetivo obrigar moradores ou proprietários de terras a liberar a passagem das cargas.

De acordo com dados do projeto Amazônia Minada, em 2020 foi registrado aumento incomum em requerimentos para minerar manganês, inclusive em terras indígenas. O sudeste do Pará, com destaque para a reserva Kayapó, onde ficam as maiores jazidas do mundo, sofre os impactos ambientais da alta demanda da China por manganês, usado na fabricação do aço que abastece obras de infraestrutura bancadas pelo governo do país asiático. Ainda segundo o Amazônia Minada, foram registrados 21 pedidos de exploração no ano passado, um recorde na última década.

Publicado na edição nº 1167 de CartaCapital, em 22 de julho de 2021.

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