Música

Por Thaís Matos, G1


Músicas sobre festas clandestinas crescem na quarentena

Músicas sobre festas clandestinas crescem na quarentena

No mês em que o Brasil completa um ano da pandemia da Covid-19 e um dia após o registro de mais de 3 mil mortes em 24 horas, músicas que celebram "festas clandestinas" invadem os serviços de streaming.

Tem festão com o bonde todo e uma resenha mais reservada no sigilo. Os hits que celebram as aglomerações indevidas não escolhem gênero. Há funk, pisadinha, brega dançante, pagodão e rap versando sobre eventos proibidos.

No Spotify, daria para montar uma playlist só com hits dessa temática:

  • são oito músicas com o nome “Festa clandestina”, lançadas depois do começo da pandemia;
  • sete “Festinhas clandestinas”;
  • três “Resenhas clandestinas”;
  • e um “Baile clandestino”

A maioria dos hits de fala sobre pegação, bebidas e diversão. Menos da metade é explícita sobre furar a quarentena.

Algumas ensinam como fazer o rolê acontecer: pouca gente, convite por Whatsapp e tudo escondido. Uma fala sobre uso de máscara.

Uma parte dos donos dos hits defende as letras sobre bailes e beijos em um momento de isolamento social. Outros criticam a exaltação dos rolês escondidos. Há também intérpretes de algumas dessas músicas que se arrependeram.

DJ Teoh é o autor da música mais recente sobre o tema. Lançada no dia 1º de março, "Festa clandestina" foi gravada com MC Liro, MC Ruzika e MC Cortez. Ao G1, ele sintetiza o "dilema" pelo qual compositores passaram:

"É um tema tão peculiar. Me lembro que estava em uma conversa com meu amigo Marlon Ramos Film, que disse: ‘Você lançando uma música com 3 minutos e pouco, são 3 minutos em que as pessoas estarão em casa pra ouvir sua música. Normalmente quem acessa o YouTube está dentro de casa’. Aí criei coragem pra lançar."

Outros artistas ouvidos pelo G1 concordam: as festas clandestinas foram o meio mais leve que encontraram de refletir a pandemia e ter uma música com a cara desse período que estamos vivendo.

"O que me fez escolher o tema foi a ocasião atual que o mundo se passa", conta DJ Pedro, que organizou "Clandestina de quebrada" com outros 10 MCs.

Cena do clipe 'Clandestina de quebrada', do DJ Pedro — Foto: Divulgação

Os músicos não acreditam que os hits que celebram festas clandestinas possam influenciar a organização de eventos proibidos.

"Pelo contrário, temos grande colaboração ao isolamento ao produzir conteúdo para ser consumido em casa, de forma que quanto mais conteúdo for lançado, mais tempo as pessoas passam pesquisando, descobrindo e consumindo, mais elas ficam em casa", opina Pedro.

"Fizemos sem intenção alguma de incentivar festas clandestinas ou algo proibido até porque isso acontece com ou sem pandemia, o Brasil sempre foi um país de festas o ano todo. Sabíamos que o título traria assuntos sobre a atualidade, mas o papel do artista é trazer entretenimento e arte independente do momento", defendem os integrantes do grupo de rap AK Trovão Gang.

Cena do clipe 'Festa Clandestina', do grupo AK Gang — Foto: Divulgação

"A música é só um elemento de todo o processo. O que estimula [festas clandestina] é a falta de regulamentação para eventos e falta de opção de entretenimento", resume MC JN SP.

OK Google, 'festa clandestina'

O interesse dos artistas por músicas com este tema nasceu de olho nas buscas na internet, explica MC JN SP. No Google, o termo festa clandestina teve aumento de 90% em fevereiro deste ano.

Funcionou. As músicas "clandestinas" estão entre as mais ouvidas no Spotify de cinco dos seis artistas ouvidos pelo G1.

Cena do clipe 'Festa clandestina', do DJ Teoh — Foto: Divulgação

No YouTube, os clipes dessas músicas também conseguiram mais visualizações que outros trabalhos da maioria dos artistas. DJ Teoh, por exemplo, triplicou a quantidade de visualizações, cantando sobre o tema.

Tem gente arrependida?

Enquanto alguns artistas celebram os bons resultados nos streamings, outros decidiram não divulgar mais as músicas.

O cantor de pisadinha Luciano Wind removeu o principal vídeo da música "Festa clandestina" em seu canal no YouTube.

Procurada pelo G1, a assessoria de imprensa do cantor disse que está "remoldando" o artista e que "não acha interessante" trabalhar esse lançamento.

Tinno Flow, cantor de bregadeira, também retirou sua música dos canais oficiais por conta da "imagem ruim que poderia deixar no artista", segundo a equipe dele.

Festas são um problema real

As festas clandestinas são um problema real no enfrentamento à Covid-19. Apenas neste mês, a Polícia Militar de São Paulo encerrou, em média, 27 delas por dia no estado. Em 23 dias, foram 619 festas clandestinas interrompidas segundo a Secretaria de Segurança Pública.

No Rio, três funkeiros chegaram a ser presos em uma operação contra bailes funk no começo de março: MC Poze, DJ Markinho do Jaca e MC Negão da BL.

Alguns MCs criticam o que chamam de "seletividade" das prisões. "Não questiono o trabalho da polícia, pois eles só obedecem ordens. Quem temos que questionar não está nas ruas efetuando prisões. O funk está sendo punido por conta do paradigma criado que só o seu mercado oferece festas grandes", diz Pedro.

"O funk sempre é o bode expiatório. Mais uma vez estão se utilizando de um estilo de origem favelada", completa JN.

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