Opinião

A concentração de renda no Brasil é selvagem e brutal

‘O Estado do Rio de Janeiro já teria 10,65% da população vivendo com menos de 246 reais mensais’, escreve Milton Rondó

A imposição da pobreza. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil A imposição da pobreza. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.”
Che Guevara.

A concentração de renda multiplicou as injustiças no mundo.

No Brasil, basta sair na estrada para se dar conta: maior população de rua; estradas mais esburacadas; balanças para caminhões fechadas (resultando em tarifas maiores para os veículos e lucros enormes para as transportadoras – e prováveis contribuições polpudas para os responsáveis); construções de trevos, passarelas para pedestres e até praças de pedágios financiadas por dinheiro público, em vez de serem arcadas pelas concessionárias, resultando em lucros extraordinários para aquelas empresas.

A tendência é mundial, mas, no Brasil, revela-se selvagem, brutal.

O Estado do Rio de Janeiro já teria 10,65% da população vivendo com menos de 246 reais mensais.

A inflação, por outro lado, é alta, impactando principalmente os mais pobres, que consomem a maior parte da própria renda na compra de alimentos, cujos preços, por sua vez, constituem o centro da inflação no Brasil e na maioria dos países do mundo.

Oportuno lembrar as palavras de Darcy Ribeiro, no prefácio de O caminhar da Igreja com os oprimidos, de Leonardo Boff, citado por Boff em Brasil, concluir a refundação ou prolongar a dependência: “Nós brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão somente gerar lucros empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”.

Naquela obra e citando Luiz Gonzaga de Souza Lima, Boff indica caminhos: “Ainda que nunca tenha existido na realidade, há um Brasil no imaginário e no sonho do povo brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção cultural. A sociedade construiu um Brasil diferente do real histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte, mas sobretudo alegre e feliz.”

Boff agrega: “Sobre que bases se fará a refundação do Brasil? Souza Lima diz que é sobre aquilo que de mais fecundo e original temos: a cultura brasileira. É através de nossa cultura que o povo brasileiro passará a ver infinitas possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficiente para escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da empresa-Brasil e do Estado que ela criou só para si. A cultura brasileira, então, escapa da mediocridade da condição periférica e se propõe a si mesma com pari dignidade em relação a todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências universais.”

Um paraíso fora destruído e uma empresa predadora tomou seu lugar.

Talvez, seja efetivamente a cultura a nos redimir, a conduzir a política – inclusive a externa, a enfrentar o imperialismo.

No campo da moral, a sucessão histórico-cultural é marcada por Boff, citando Carlos Drummond de Andrade: “A civilização que sacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa moral”.

A atual concentração de renda também leva a menor nível de atividade econômica, maior desemprego e, com o resultante aumento do exército de reserva de desempregados, piora considerável na qualidade dos serviços. Ser atendido presencialmente virou um luxo, ainda que por telefone.

Os lucros se agigantam na proporção em que a qualidade dos serviços e de vida afundam.

Entretanto, mesmo nas trevas, a luz traça caminho reto. Nunca se falou tanto sobre a experiência das Missões, implantadas no oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul, no Uruguai, na Argentina, no Paraguai e na Bolívia, no século XVII, e que durou mais de um século.

São raízes que podemos trazer à tona para melhor nos entendermos e valorizarmos.

“Huye de quien te haga dudar de ti”, diz o provérbio espanhol.

Em “Missões: crônica de um genocídio”, Decio Freitas bem demarca os primórdios daquela experiência: “Os objetivos da Coroa (ocupar espaços vazios) e dos padres (ganhar os guaranis para o cristianismo) não seriam realizáveis através dos processos colonialistas habituais. Havia que assimilar o arraigado coletivismo dos guaranis; a menos disso, o projeto seria inexequível. Dessa forma, o coletivismo das reduções traduziu uma exigência das massas guaranis. Elas é que conquistaram os padres, não os padres a elas. Os jesuítas serão, por isso, uma coisa na Europa e na Colônia, e outra coisa muito diferente nas reduções.”

Um jesuíta da atualidade, o Papa Francisco, exorta-nos a não dialogarmos com o diabo.

Não dialoguemos com ele, mas o conheçamos, para não nos enredarmos.

No caso específico da República dos Guarani, à empresa colonial, demoníaca, os jesuítas opuseram um projeto coletivo, igualitário, libertário.

Sobre os seguidores de Loyola, conclui Decio Freitas: “Desmentiram, concreta e eloquentemente, a abusão colonialista de que os índios seriam incapazes para a vida sedentária e formas superiores de civilização, argumento usado para escraviza-los ou extermina-los…criaram comunidades livres, fraternais e igualitárias, sem usar outras armas que a compreensão e a persuasão, em contraste com a maciça e inumana violência que marcou o empreendimento colonial”.

Sim, nós também podemos realizar a utopia nesta terra que, antes da conquista, já fora sem males e donos.

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