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Respostas do G20 à pandemia deixam a desejar

Em 2009, ações do G20 contra a crise foram coordenadas e arrojadas; em 2020, isso não ocorreu

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu com líderes do G20 em 21 e 22 de novembro, por videoconferência. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Nos dias 21 e 22 de novembro, ocorreu a 15ª reunião de cúpula do G20, em Riad, Arábia Saudita. Questões importantes relativas ao futuro do multilateralismo em um contexto de pandemia foram abordadas – mesmo que sem decisões e comprometimentos internacionais claros acerca destes temas.

As origens do G20 remontam à crise asiática de 1999, quando os países do G7, juntamente com outros países relevantes para a economia mundial naquele momento, começaram a se reunir a fim de lidar com as consequências de tal instabilidade. Na ocasião, os objetivos iniciais do grupo eram essencialmente comerciais e financeiros, com as reuniões ocorrendo entre os ministros de Economia e presidentes de Bancos Centrais de África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido e Turquia, juntamente com a União Europeia.

Em 2008, face à crise financeira global, o G20 começou também a organizar reuniões de cúpula dos chefes de Estado e de governo dos países participantes.

Naquela ocasião, o G20 foi uma importante iniciativa para lidar, de maneira multilateral, com a crise financeira, e a partir de então o grupo tem avançado, em maior ou menor medida, em discussões sobre outros temas também relevantes e interrelacionados da política internacional – tais como desenvolvimento sustentável, meio ambiente, igualdade de gênero, combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, investimento em infraestrutura e economia digital, por exemplo –, afirmando-se assim como um importante fórum da governança global.

Este ano, a cúpula estava agendada para ocorrer em Riad, Arábia Saudita.

Em função da pandemia de Covid-19, a agenda planejada previamente pelos anfitriões sauditas foi abandonada, e uma nova agenda focada na crise sanitária e na crise econômica foi assim acordada e desenvolvida em uma reunião virtual entre os países do G20 no dia 26 de março de 2020.

Assim, embora questões ambientais também tenham sido objeto de discussão, as questões relativas à Covid-19 foram o centro das atenções da cúpula virtual nos dias 21 e 22 de novembro.

Neste sentido, foram objeto de atenção da cúpula e do documento final as discussões acerca do papel da cooperação internacional para a fabricação e distribuição de vacinas em escala global contra a Covid-19; da importância da Organização Mundial de Saúde (OMS) neste processo; e da prorrogação da moratória da dívida dos países mais pobres (Iniciativa de suspensão do Serviço da Dívida – DSSI) por mais seis meses.

Contudo, as decisões sobre cada um destes tópicos ficaram a desejar.

Cúpula do G20 se reuniu com agenda centrada na pandemia. Foto: Marcos Corrêa/PR

Com relação às vacinas, não foi explicitado o valor a ser aportado pelos países do G20 para tal produção, bem como não foi esclarecido como garantir a provisão da imunização coletiva como um “bem público global”.

No tocante à OMS, a declaração foi um pouco vaga, sem clareza acerca do papel que se espera desta organização no horizonte próximo.

No que diz respeito à DSSI, apesar da prorrogação por seis meses, esperava-se que esta fosse por um ano – embora o documento final deixe aberta a possibilidade de revisão desta decisão. Além disso, embora até agora 46 países tenham se beneficiado da DSSI (o governo chinês, por exemplo, suspendeu o pagamento de 2,1 bilhões de dólares devidos por 23 países africanos), tal iniciativa tem sido vista como limitada, devido à não adesão, até momento, dos credores privados à DSSI – algo que vem sendo colocado frequentemente pelo presidente do Banco Mundial, David Malpass, por exemplo.

Tais críticas e limites das decisões tomadas na cúpula chamam a atenção para certas vozes dissonantes presentes no encontro.

Os governos da França e da Alemanha defenderam uma posição mais assertiva do G20 com relação ao financiamento da Aliança Covax (Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19) – mecanismo multilateral coordenado pela OMS voltado para a produção e distribuição de vacina contra a Covid-19 –, bem como a ampliação da cooperação com a OMS neste contexto. A mesma postura foi adotada por Giuseppe Conte, primeiro ministro italiano que será responsável pela organização da próxima cúpula do G20 – a Itália presidirá o G20 em 2021.

Governantes defendem agenda ambiental

Tais governantes também se posicionaram favoráveis à volta da agenda ambiental ao G20, postura que converge com a posição de outros governantes, como Xi Jinping, presidente da China.

Neste caso, a divergência entre estes governantes e o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é notória: crítico contumaz do Acordo de Paris, este foi um dos grandes responsáveis pela paralisação dessa agenda no âmbito do G20 e também do G7. Sua postura crítica à ação da OMS também destoa da posição defendida por vários governantes no âmbito do G20, incluindo a próxima presidência do grupo.

Joe Biden, o presidente eleito dos Estados Unidos, tem defendido o retorno ao Acordo de Paris. Além disso, espera-se uma postura mais favorável ao multilateralismo por parte de sua presidência, tendo em vista uma tentativa de retomada da hegemonia dos Estados Unidos. Ou seja, há uma janela de oportunidade para que as questões ambientais voltem à agenda do G20 em breve, bem como que a cooperação com a OMS ganhe um novo fôlego.

Em 2009, em meio a uma crise financeira de proporções globais, o G20 foi capaz de dar uma resposta coordenada e arrojada. Mesmo que com o passar do tempo tal resposta tenha se mostrado limitada, aquele foi um momento fundamental no processo de cooperação multilateral do século XXI.

Agora, em 2020, o mesmo não ocorre: desta vez, a resposta à crise tem sido muito mais reativa e em escala nacional, com o G20 desempenhando um papel ainda residual.

Na cúpula de 2020, o que se nota é que, em última instância, há claramente a percepção do que deve ser feito, mas sem grandes avanços acerca de como fazê-lo. Ora, a crise atual – econômica, ambiental e sanitária – demanda necessariamente uma resposta coordenada, multilateral. Resta saber se a próxima cúpula do G20 será capaz de atender a tais necessidades e expectativas.

*Leonardo Ramos é doutor em Relações Internacionais, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

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