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Mobilização contra privatizações na Petrobras vai continuar, diz Deyvid Bacelar

Nesta sexta-feira 18, STF deve julgar ação do Congresso contra venda de refinarias da empresa

(Foto: Ana Paula Amorim) (Foto: Ana Paula Amorim)
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A greve dos petroleiros iniciada em 1º de fevereiro deste ano chegou a um desfecho vitorioso na quarta-feira 16, com a assinatura do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) entre a categoria e a gestão do Sistema Petrobras. Assim narra a Federação Única dos Petroleiros (FUP), ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que atribuiu as “conquistas” das negociações às mobilizações do começo de 2020.

 

Os trabalhadores aceitaram a 3ª contraproposta da Petrobras para o novo ACT, documento assinado entre a categoria e a empresa, em que ficam combinados os direitos trabalhistas vigentes e o prazo de validade. O documento em questão ficará em vigor entre 2020 e 2022.

Entre os resultados comemorados pela FUP, está a garantia de que a Petrobras não demitirá os trabalhadores no período de dois anos sem justa causa.

Outro ponto celebrado foi a manutenção da contribuição do Sistema Petrobras nos planos de saúde da categoria. Esses planos são, em parte, financiados pela empresa, e em outra parte pelos trabalhadores. De acordo com a direção da FUP, a gestão da estatal queria aumentar em mais de 1.400% a contribuição dos funcionários, mas esse percentual foi reduzido pela metade.

“A greve de fevereiro tem gerado bons frutos até agora, lembrando que foi uma greve forte que a categoria petroleira realizou, com amplo apoio da sociedade. Tivemos 21 mil pessoas, em 121 unidades do Sistema Petrobras, em 13 estados da Federação. Isso fez a gestão do Sistema Petrobras repensar sobre como agir diante do movimento sindical e da própria categoria”, diz o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, em entrevista a CartaCapital.

O acordo foi aprovado pelos 13 sindicatos da FUP. No entanto, houve divergências. Em quatro assembleias, pelo menos 30% dos votantes não aprovaram o novo tratado; em duas delas, um percentual superior a 40% também não teve posição favorável, segundo levantamento divulgado pela própria Federação.

Além disso, de acordo com a Petrobras, cinco Sindicatos dos Petroleiros (Sindipetros) rejeitaram o ACT: as unidades do Rio de Janeiro, de São José dos Campos (SP), do Litoral Paulista, de Sergipe/Alagoas e do Pará/Amazonas/Maranhão/Amapá. Não são sindicatos ligados à FUP, mas sim à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), onde atua a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas), que não é ligada à CUT.

A estatal informou, em nota, que os trabalhadores desses sindicatos que rejeitaram o acordo celebrado pela FUP terão início a uma transição gradual para a legislação trabalhista padrão, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Serão nove mudanças, alguns benefícios descontinuados e sem garantias de dois anos de emprego.

A FUP diz ter negociado com a Petrobras para que esses petroleiros possam voltar atrás e aceitar o ACT que foi aprovado. Mas a FNP diz ter entrado com uma ação na Justiça do Trabalho para reverter “a ameaça de ida para a CLT”.

Não analisar nem mesmo as dificuldades impostas pela pandemia, não analisar nem mesmo a composição diferenciada e negativa para os trabalhadores no Judiciário, no Tribunal Superior do Trabalho (TST) ou no Supremo Tribunal Federal (STF), é uma análise um tanto quanto equivocada ao nosso ver”, afirma Deyvid Bacelar.

A partir de agora, Bacelar diz que os petroleiros asseguraram melhores condições para seguirem em mobilizações. Uma das pautas priorizadas pela FUP é protestar contra a criação e a venda de subsidiárias da Petrobras, que vai a julgamento no STF. Para o sindicalista, trata-se do primeiro passo para a privatização da petrolífera.

Outra bandeira é defender a suspensão da Resolução 23 da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR), que determinou mudanças nos custeios dos planos de saúde para trabalhadores de empresas estatais e, consequentemente, na Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS), gerida pela Petrobras.

Por fim, ele destaca uma agenda de lutas contra a reforma administrativa, proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para alterar normas do serviço público brasileiro.

Quem sabe consigamos realizar uma greve nacional, principalmente nesses setores”, completa o coordenador da FUP.

Confira, a seguir, a entrevista na íntegra de Deyvid Bacelar a CartaCapital.

CartaCapital: Quais foram as principais vitórias das negociações com a Petrobras?

Deyvid Bacelar: Sem sombras de dúvida, a principal vitória dessa negociação coletiva com a gestão do Sistema Petrobras foi, principalmente, termos o retorno à mesa de negociação, o respeito ao diálogo social. É algo que já não tínhamos há tempos e que, felizmente, nessa negociação coletiva, se materializou, devido talvez à pandemia mas, principalmente, à greve que nós realizamos em fevereiro.

Além disso, obviamente, nós temos duas grandes garantias que são importantes nesse novo Acordo Coletivo de Trabalho, que é, primeiro, a da garantia de emprego, durante esse período de dois anos. 

É uma cláusula que nós conquistamos e que nós nunca tivemos num acordo coletivo do Sistema Petrobras. A companhia se compromete a não realizar demissões sem justa causa durante dois anos. É uma conquista importante nesse momento conturbado da conjuntura, em que nós temos mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras sem emprego. Ou seja, mais da metade da população economicamente ativa desempregada.

Uma outra grande conquista nessa negociação é termos garantido as regras, as cláusulas do nosso plano de saúde e da nossa assistência médica. No momento em que o governo federal, a partir das resoluções 22, 23, principalmente da 23, querem retirar do Acordo Coletivo de Trabalho todo e qualquer regramento a respeito de planos de saúde das empresas públicas estatais, nós conseguimos manter essas regras dentro do nosso ACT.

Então, essa é uma grande conquista, sem dúvida alguma, apesar de termos tido aumento da nossa contribuição para com o plano de saúde. 

Num momento como esse, em que já temos quase 140 mil brasileiros e brasileiras ceifados pela Covid-19, por conta da omissão e das ações atabalhoadas do governo federal, em que temos mais de 4 milhões de pessoas contaminadas, em que o Sistema Único de Saúde (SUS) está abarrotado, sobrecarregado, apesar de estar salvando várias vidas também, é importante termos essas garantias dentro do acordo, nesse momento conjuntural, principalmente capitaneado por um governo de extrema-direita e ultraliberal. 

Isso levou a categoria a pensar bem sobre o que fazer nas assembleias, e a decisão foi sábia de garantir essas conquistas durante dois anos, apesar da conjuntura tão adversa que nós temos hoje.

CC: É possível dizer que a greve dos petroleiros do início do ano teve um desfecho com a assinatura do ACT hoje?

DB: Essa é uma excelente pergunta, que por sinal não nos foi feita ainda. Sim, a greve de fevereiro tem gerado bons frutos até agora, lembrando que foi uma greve forte que a categoria petroleira realizou, com amplo apoio da sociedade. Tivemos ali, em fevereiro, 21 mil pessoas participando dessa greve, em 121 unidades do Sistema Petrobras, em 13 estados da Federação. 

Isso fez a gestão do Sistema Petrobras repensar sobre como agir diante do movimento sindical e da própria categoria. Então, se hoje temos uma retomada à mesa de negociação, se temos um respeito, mesmo que mínimo, ao diálogo social, e se tivemos esse acordo coletivo que assinamos, garantindo dois anos o emprego e as regras, é porque realizamos uma greve em fevereiro. 

E foi, felizmente, no momento correto. Imediatamente após essa greve, que terminou em 20 de fevereiro, quando iniciamos um processo de mediação no Tribunal Superior do Trabalho, nós tivemos aí no mês de março o início da pandemia de Covid-19 no Brasil. Isso dificulta muito a capacidade de mobilização de toda e qualquer categoria no País, e tem aprofundado ainda mais a crise do sistema capitalista em âmbito mundial.

A greve de fevereiro desse ano nos propiciou esse acordo, que vai nos ajudar a passar por esse mar turbulento desses dois anos do governo Bolsonaro, com algumas garantias. Até porque o acordo coletivo tem força de lei e, hoje, mais do que antes, prevalece sobre o que foi legislado.

Então, sim, a greve de fevereiro acabou tendo esse último bom fruto, mais perene, de dois anos, que dá maior tranquilidade à categoria petroleira e faz com que concentremos nossos esforços e recursos na luta contra o desmonte dos serviços públicos e contra as privatizações das estatais, entre elas a Petrobras.

Protestos de petroleiros contra demissões na Petrobras. Foto: FUP

CC: Em seis sindicatos, pelo menos 30% dos votantes não votaram o ACT em assembleias. De onde vem essa discordância?

DB: Infelizmente, os cinco sindicatos dos petroleiros que se desfiliaram da FUP em meados dos anos 2000, estamos falando especificamente do ano de 2006, eles têm uma análise da conjuntura diferente da que nós, da FUP e da CUT, fazemos.

Nós entendemos que estamos passando por um período extremamente adverso, de acumulação de forças. É um período em que a defensiva é estratégica e importante, para nós mantermos o máximo de direitos possível, para, no momento adequado e propício, nós termos capacidade de reagir contra esse governo que aí está.

Não analisar nem mesmo as dificuldades impostas pela pandemia, não analisar nem mesmo a composição diferenciada e negativa para os trabalhadores no Judiciário, no TST ou no STF, é uma análise um tanto quanto equivocada ao nosso ver.

Por conta disso, esses cinco sindicatos orientaram rejeição dessa 3ª contraproposta, que foi gestada, negociada em mesa, arrancada principalmente por conta da pauta de reivindicações que a FUP construiu junto com a categoria petroleira em todo o Brasil, com a participação de mais de 700 pessoas nos congressos estaduais e regionais e 280 pessoas no congresso nacional da FUP.

Lamentavelmente, eles acabaram conduzindo a categoria a uma linha muito tênue, num momento conjuntural adverso.

Infelizmente, a gestão do Sistema Petrobras já colocou que, a partir do dia 15 de setembro, os trabalhadores e trabalhadoras dessas bases, representados pelos cinco sindicatos, estão caminhando para a CLT, a nova Consolidação das Leis Trabalhistas, por conta da última contrarreforma, onde alguns direitos começam a ser retirados, por conta de eles terem entendido que havia uma necessidade de indicarmos rejeição 3ª terceira contraproposta.

A divergência se deu por conta dessa análise conjuntural diferenciada, e aí é uma questão de concepção entre nós da FUP, que temos 13 sindicatos, e eles que são cinco sindicatos. Mas também por conta de eles terem compreendido que o aumento da nossa contribuição ao plano de saúde vai atingir de morte alguns trabalhadores, ao ponto de não conseguirem pagar.

A gente entende que não é bem assim. 

Infelizmente, o que está sinalizado pelo Dieese, pela Fundação Getúlio Vargas, pelo IBGE, é um aprofundamento da crise econômica brasileira e mundial. Isso pode levar mais pessoas a terem dificuldades no acesso a serviços de saúde, até porque os planos privados já estão muito caros. Nós conseguimos, nessa negociação, ter uma contribuição, e não na monta que a gestão do Sistema Petrobras gostaria.

Eles [a Petrobras] tinham sinalizado, na 2ª contraproposta, que nós rejeitamos em assembleia, aumentos de até 1.422% na contribuição do trabalhador e da trabalhadora no plano de saúde. Isso foi reduzido para mais da metade. 

Entendemos que essa luta agora precisa ser feita dentro do Congresso Nacional. Um projeto de decreto legislativo, que tem como autora a deputada federal Erika Kokay [PT-DF], tenta derrubar a resolução 23 da CGPAR [Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União], que obriga as gestões das empresas públicas estatais a aumentarem a contribuição dos trabalhadores e trabalhadoras. 

Então, vamos focar a nossa luta contra essa resolução 23, que pode levar a até 50% da contribuição do trabalhador e da trabalhadora da ativa, e de até 100% dos aposentados, aposentadas e pensionistas, não só da Petrobras, como das outras estatais. 

Apesar das divergências, na reunião de hoje, com a gestão de Recursos Humanos do Sistema Petrobras, nós pleiteamos e conseguimos garantir para 44% da categoria petroleira de todo o Brasil a extensão desse acordo.

Agora, cabem aos sindicatos que indicaram a rejeição fazerem as assembleias novamente, para que a categoria petroleira, de forma soberana, possa decidir mais uma vez, observando o cenário político e a assinatura já feita pela FUP, para que tenham acesso aos direitos que conquistamos.

CC: Como fica a agenda de mobilização contra a privatização da Petrobras?

DB: Como nós sinalizamos para a categoria em nossos informes específicos e nas assembleias, nós teremos grandes desafios agora, a partir da assinatura desse acordo, que está nos garantindo vários direitos durante dois anos.

Desafios como a luta contra a resolução 23 da CGPAR. 

Outro desafio é de uma luta contra a associação que a gestão de RH quer criar para autogerir o nosso plano de saúde. Entendemos que a autogestão por RH é a melhor opção, tem custos mais baixos, tem trabalhadores concursados que podem fazer como sempre fizeram desde quando a AMS foi criada.

Mas principalmente o desafio da luta contra as privatizações que estão postas. Então, sim, temos novas mobilizações já sinalizadas. Para esta sexta-feira, dia 18, já temos mobilizações marcadas em todo o Brasil, dia em que o STF vai julgar a reclamação do Congresso Nacional, assinada pelo Davi Alcolumbre [DEM-AP] e pelo Rodrigo Maia [DEM-RJ] após a nossa greve. 

Lembrando que, no meio da nossa greve, nós estivemos em Brasília conversando com os presidentes da Câmara e do Senado sobre essa burla da gestão da Petrobras à decisão do STF. A gestão Castello Branco está criando subsidiárias para vendê-las depois. O que o STF colocou é que as empresas-mães não podem ser vendidas dessa forma, tem que ter um amplo processo licitatório e transparente e, junto a isso, uma votação no Congresso Nacional. 

Ou seja, só podem ser vendidas com o aval do Congresso Nacional, onde tem parlamentares eleitos pela população brasileira. É um patrimônio público. Se compõem os diversos ativos que agregam e ajudam o Brasil a ser soberano, isso só pode acontecer se houver decisão minimamente democrática. 

Então, hoje, essa reclamação vai estar sendo votada pelo STF, o relator é o Edson Fachin, mas ele jogou essa decisão para o plenário. 

Nos juntamos às mobilizações marcadas para 30 de setembro, de trabalhadores das empresas públicas estatais e dos serviços públicos, contra a reforma administrativa.

É uma reforma inconstitucional, que retira direitos históricos da classe trabalhadora brasileira. Direitos, por sinal, que nem mesmo a contrarreforma trabalhista tirou, eles querem aproveitar a reforma administrativa para fazer isso, em nome do ajuste fiscal. Estaremos juntos com as outras categorias.

No dia 3 de outubro, aniversário de 67 anos da Petrobras, estão marcadas paralisações em todo o Brasil, principalmente nas empresas públicas estatais e em áreas dos serviços públicos, além de atos virtuais. Será um Dia Nacional em Defesa da Soberania.

Essa agenda é intensa, que temos tido infelizmente durante todo esse ano, na verdade, desde o golpe de Estado de 2016. Ela fica mais intensa ainda com a eleição do Bolsonaro, que infelizmente foi eleito pela maioria das pessoas em 2018, que votaram acreditando na mamadeira de piroca, no kit gay, e que o PT quebrou o Brasil e a Petrobras.

Continuaremos, sem dúvida, organizando a categoria e a classe trabalhadora, para reagirmos contra esse governo.

Quem sabe consigamos realizar uma greve nacional, principalmente nesses setores. Querem fazer com que o Brasil se torne um grande cabide de empregos. Onde havia concursos públicos, a reforma administrativa praticamente quer fazer com que isso deixe de existir. E o governo de plantão poderá colocar seus asseclas de acordo com seus interesses, sem respeitar o princípio da impessoalidade e os demais princípios da Constituição.

Por fim, nós já lançamos, junto com a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobras, uma grande campanha nacional que é a #PetrobrasFica, lançada em seis estados, com a participação de parlamentares da Câmara, do Senado e dos estados. Esses atos estão atingindo espectro de políticos para além da esquerda. Em Minas Gerais, quem participou dessa campanha foi o Antonio Anastasia [PSDB], um político da direita, mas que entende que a Petrobras precisa ser defendida. Tivemos também o Álvaro Dias [Podemos-PR].

Essa concentração da Petrobras somente no Rio de Janeiro e em São Paulo não é benéfica para a população brasileira. Essa campanha está em ascendência e esperamos atingir parcela significativa da sociedade, que já de manifesta contrária às privatizações que estão ocorrendo no Brasil.

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