Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasíia


Celso de Mello derruba sigilo de vídeo de reunião ministerial

Celso de Mello derruba sigilo de vídeo de reunião ministerial

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou nesta sexta-feira (22) a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, cuja gravação foi apontada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova na investigação de suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

"Determino o levantamento da nota de sigilo imposta em despacho por mim proferido no dia 08/05/2020 (Petição nº 29.860/2020), liberando integralmente, em consequência, tanto o conteúdo do vídeo da reunião ministerial de 22/04/2020, no Palácio do Planalto, quanto o teor da degravação referente a mencionado encontro de Ministros de Estado e de outras autoridades", escreveu o ministro na decisão.

Na decisão, o ministro liberou tanto a íntegra do conteúdo do vídeo quanto da transcrição da reunião. Celso de Mello somente não permitiu a divulgação de "poucas passagens do vídeo e da respectiva degravação nas quais há referência a determinados Estados estrangeiros".

O ministro afirmou que a divulgação, na íntegra, se baseia no “direito à ampla defesa, o direito à prova e o direito à paridade de armas”.

Celso de Mello determinou que a decisão seja encaminhada imediatamente à Procuradoria Geral da República, à Advocacia-Geral da União e à chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal (Sinq/Dicor), Christiane Correa Machado, e seja dada ciência ao ex-ministro Sergio Moro.

Na decisão, Celso de Mello afirma que o regular exercício do Judiciário “não transgride o princípio da separação de poderes” e “é importante ter presente que o Judiciário, quando intervém para conter os excessos do poder e, também, quando atua no exercício da jurisdição penal ou como intérprete do ordenamento constitucional, exerce, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República”.

Advogado vê ‘carnaval’

Antes de a decisão do ministro Celso de Mello ser divulgada, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, disse em entrevista no Palácio do Planalto que o presidente “jamais” interferiu na Polícia Federal e afirmou que está se fazendo um “carnaval” em cima do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril.

O advogado declarou também que não foram apresentadas provas de que Bolsonaro teria feito ingerências na PF.

“O natural para este inquérito era para ter sido arquivado o quanto antes. Deixaram o inquérito correr para atingir a imagem e a reputação do presidente da República. Nenhuma prova foi trazida aos autos. Não existem provas, não existem indícios, não existe absolutamente nada”, disse Wassef.

“Hoje, o que é que se faz? Um carnaval em cima de uma fita, de um vídeo de uma reunião. Alguém praticaria um ato irregular na presença de 30 testemunhas, ministros de estado? Jamais”, completou o advogado.

Plantão: veja trecho do vídeo de reunião ministerial liberado pelo ministro Celso de Mello

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O caso

Em 24 de abril, Bolsonaro demitiu o então diretor-geral da PF Maurício Valeixo. Moro não tinha sido avisado da demissão e deixou o cargo de ministro no mesmo dia, acusando Bolsonaro de tentar interferir na corporação.

O presidente escolheu o delegado Alexandre Ramagem para comandar a corporação no lugar de Valeixo, mas a nomeação foi barrada pelo STF. No lugar de Ramagem, Bolsonaro nomeou Rolando de Souza. Logo que assumiu a diretoria-geral da PF, Souza trocou diversos superintendentes regionais da corporação, inclusive o do estado do Rio de Janeiro, berço eleitoral da família Bolsonaro.

A decisão de tornar o vídeo público foi tomada após Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria-Geral da República (PGR) e o ex-ministro da Justiça se manifestarem sobre a divulgação do vídeo.

O vídeo estava sob sigilo no inquérito. No dia 12 de maio, a íntegra do vídeo foi exibida em uma sessão reservada a investigadores e procuradores da República, ao advogado-geral da União, José Levi, e ao próprio Sergio Moro.

Na reunião, o presidente teria exigido a troca do superintendente da PF no Rio de Janeiro, a fim de evitar investigação sobre familiares dele. Fontes que acompanharam a exibição na terça-feira informaram que a gravação mostra Bolsonaro usando palavrões e fazendo ameaças de demissão em defesa da troca no comando da PF no Rio de Janeiro.

A AGU pediu ao Supremo a divulgação apenas das partes do vídeo que contenham falas de Bolsonaro e que interessem às investigações. Na manifestação, o governo incluiu a transcrição de alguns trechos de falas do presidente da República proferidas na reunião (veja no vídeo abaixo).

AGU divulga parte da fala de Bolsonaro em reunião; defesa de Moro diz que omite contexto

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A PGR também pediu que apenas trechos do vídeo fossem divulgados. O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a divulgação completa do material teria o efeito de “politizar” a atuação das instituições. “Deturparia a natureza jurídica e o objeto do inquérito judicial em curso nesta Suprema Corte”, argumentou.

A defesa de Moro afirmou que, na manifestação da AGU ao Supremo, em que o governo revelou parte das falas de Bolsonaro, houve omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão, inclusive na parte da “segurança do RJ”, o trecho imediatamente precedente, o que classificou de “disparidade de armas”.

"A transcrição parcial que busca apenas reforçar a tese da defesa do Presidente reforça a necessidade urgente de liberação da integralidade do vídeo", diz nota de Rodrigo Rios, um dos advogado de Sergio Moro.

Bolsonaro admite que falou 'PF' na reunião e que 'interferência' visou segurança familiar

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Menção à PF

Inicialmente, o presidente disse que não mencionou o termo "Polícia Federal" durante a reunião ministerial.

"Esse vazador está prestando desserviço. Não existe no vídeo a palavra 'Polícia Federal' nem 'superintendência'. Não existem as palavras 'superintendente' nem 'Polícia Federal'", afirmou Bolsonaro.

Porém, em 15 de maio, Bolsonaro admitiu que falou a palavra "PF" na reunião. No entanto, o presidente disse que se posicionou para interferir em assuntos de segurança física de sua família, e não em temas de inteligência e investigações dentro da corporação.

Apesar de Bolsonaro dizer que falou apenas de segurança familiar, manifestação da AGU entregue ao STF mostra o presidente reclamando da falta de informações da PF e declarando que iria "interferir". A declaração transcrita parcialmente pelo governo, no entanto, não deixa claro como ele faria isso.

"E me desculpe o serviço de informação nosso, todos, é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, diz trecho da transcrição.

Moro divulga documento a favor da divulgação integral do vídeo da reunião com Bolsonaro

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A reunião ministerial

A reunião ministerial citada por Moro aconteceu em 22 de abril. Além do presidente Bolsonaro, estavam presentes o vice, Hamilton Mourão, Moro e outros ministros. Ao todo, 25 autoridades participaram do encontro.

Conforme diálogos do encontro, transcritos pela Advocacia-Geral da União, Bolsonaro reclamou da falta de informações da Polícia Federal e afirmou que iria "interferir". A declaração, no entanto, não deixa claro como ele faria isso.

A defesa de Moro pediu ao STF que divulgue a íntegra do material. Celso de Mello, então, pediu pareceres à AGU e à PGR.

PGR defende que vídeo de reunião ministerial não seja divulgado completo

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As respostas ao pedido do ministro foram as seguintes:

AGU pede ao STF para entregar somente trecho do vídeo de uma reunião de Bolsonaro com Moro

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Cronologia

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