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Estudante morto denunciou ao MPF abusos cometidos por seguranças da UFPB

Clayton Tomaz de Souza, conhecido como Alph, relatava desde 2016 que sofria ameaças da guarda da federal da Paraíba

O corpo de Alph foi encontrado no dia 8 de fevereiro, às margens de uma estrada (Foto: Redes Sociais)
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O estudante Clayton Tomaz de Souza (Alph) foi encontrado morto, após fazer denúncias em relação à segurança da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O corpo de Alph foi encontrado no dia 8 de fevereiro, às margens de uma estrada, em Gramame, na região metropolitana de João Pessoa, com uma marca de disparo de arma de fogo na nuca. A família fez o reconhecimento no dia 17. Desde 2016, ele relatava que sofria ameaças da guarda da UFPB, tendo desde aquela época denunciado o caso ao Ministério Público Federal (MPF).

Desde a identificação do corpo de Alph, amigos, colegas, militantes, familiares, vieram às suas próprias redes para cobrar respostas, divulgar o crime ocorrido. Na noite da terça-feira 18, foi realizada uma homenagem ao estudante, na Praça da Alegria, no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, na UFPB. A cobertura dos veículos de comunicação locais, no entanto, focou em mostrar depredações realizadas no prédio da reitoria e foi mais um motivo de indignação para a comunidade universitária.

De acordo com o procurador José Godoy, do Ministério Público Federal, em matéria publicada pelo G1 Paraíba dia 20 de fevereiro, em 2016 o MPF recebeu o dossiê com denúncias contra a guarda universitária, mas o caso foi arquivado. Entretanto, outro processo corria em sigilo desde 2019, no qual Alph prestaria depoimento ainda em fevereiro de 2020. “O estudante seria ouvido quando foi encontrado morto”, diz a reportagem.

Diversas reportagens da imprensa paraibana, no entanto, dão destaque a personagens que chegam a questionar o fato de a denúncia ter sido realizada em vida por Alph, sem investir numa melhor apuração. O superintendente de Segurança Institucional da UFPB, Saint Clair Avilar, chega a afirmar que não existia boletim de ocorrência e os jornalistas chegam a dizer que ouviram os dois lados, mas a única versão é a deste representante da universidade, em reportagem do Bom Dia Paraíba, da TV Cabo Branco.

A fonte e até mesmo a imprensa, neste caso, estão repetindo o que Clayton denunciou. No Facebook e Twitter, Alph relatava que temia pela própria vida. Segundo o estudante, alguns membros da guarda universitária o ameaçavam constantemente. Em uma das publicações, compartilhadas no Twitter, ele diz “guardinha terceirizado achando que é polícia, jurando que serve a um Estado. Ameaça minha pessoa, e a UFPB finge não ver. Meu sangue vai aspirar (sic) nas mãos de vocês, quando eles fizerem o que tanto dizem que farão, a mim e a outros e outras”.

A afiliada da Rede Globo, no último dia 19 de fevereiro, “dedicou 9 minutos do seu telejornal a mostrar o prédio da reitoria e nenhum minuto para investigar demais denúncias de abuso de poder e assédio de guardas universitários”, denunciam amigos do estudante.

A matéria da Band do dia 19 de fevereiro fala que a reitoria estava “destruída”. No Programa Correio Manhã, da mesma data, da emissora afiliada à Record, a matéria se dedicou a mostrar o prédio da reitoria. Em matéria do JPB, da TV Cabo Branco, o delegado do caso, Paulo Josafá, diz que a família não informou sobre as ameaças que ele sofria, mas o repórter pergunta se ele era usuário de drogas e se a família tinha alguma informação sobre isso, numa situação que tenta criminalizar a vítima.

Sobre as notícias que deram mais visibilidade à quebra dos vidros da reitoria em protesto do que às circunstâncias da morte do rapaz, amigos e familiares consideram consternantes. Sem investir, de fato, em investigar sobre as denúncias contra os abusos de poder dentro da Universidade Federal da Paraíba, abraçam uma narrativa que culpabiliza as vítimas. A mídia também não ouviu explicações por parte da empresa Força Alerta Segurança e Vigilância Patrimonial Ltda, responsável pela terceirização de trabalhadores de segurança na UFPB.

Protestos querem resposta à violência

Clayton Tomaz de Souza, natural de Arcoverde, Pernambuco, foi coordenador geral do DCE da universidade, nos anos 2016/2017 e membro da gestão do Centro Acadêmico de Filosofia por três anos. Além disso, foi conselheiro estudantil do CONSUNI (Conselho Superior Universitário), por dois anos, e membro estudantil na comissão da revisão estatutária da UFPB (ESTATUINTE) pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Na sua atuação no movimento estudantil em João Pessoa, Alph lutava por assistência estudantil para outros alunos que, assim como ele, vinham de outras cidades com o sonho de fazer uma graduação. Além disso, era crítico da política de segurança na Universidade Federal da Paraíba. Ele acreditava em um modelo de guarda universitária que não fosse truculento e que não criminalizasse espaços.

Alph lutava por uma mudança na segurança pública, dentro e fora das Universidades. Uma segurança que fugisse à lógica punitivista e higienista. Oto Castro (nome fictício), estudante universitário, relata que Alph, antes de um ativista pela segurança pública, pautava a cultura popular e a ideia de um espaço popular. Após as constantes investidas da guarda universitária contra os estudantes, Alph passou a lutar por uma alternativa de segurança pública.

“Alguns guardas já marcavam a gente e a reitoria negava qualquer responsabilidade sobre isso. Nós fomos vendo a escalada repressiva dos guardas contra alunos negros”, conta. Dossiê divulgado aqui contém relatos de estudantes negros que foram proibidos de entrar na universidade se não mostrassem uma identificação, comprovação de vínculo. A universidade é um espaço público de convivência e que não se restringe apenas à comunidade acadêmica, tendo como objetivo contemplar toda a comunidade da região.

Histórico de violações aos direitos humanos na UFPB

Na noite do dia 24 de março de 2016, o Centro Acadêmico de Filosofia da UFPB realizou um evento a fim de arrecadar fundos para o Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia, que aconteceria posteriormente no mesmo ano. Duas festas estavam previstas e autorizadas para ocorrer na UFPB. Uma era referente ao encontro estudantil de Economia, mas que fora cancelada.

Na manhã do dia 25 de março de 2016, Alph ainda estava no CA de Filosofia, responsável por organizar o local após a realização do evento. Às 10h, a Guarda Universitária invadiu o Centro Acadêmico e acionou a Polícia Militar (que só pode adentrar o território das universidades federais em casos excepcionais e com a autorização da Reitoria, que fique explicitado).

O estudante foi contido e agredido fisicamente pelos seguranças terceirizados, tendo sido acionada a Polícia Militar para conduzi-lo a Polícia Federal sob as acusações de: 1) quebrar placas de formaturas; 2) romper a grade que cerca a universidade; 3) ameaçar os agentes de segurança e as autoridades policiais. Ao chegar à Delegacia Federal, antes de ser atendido pelo delegado foi ainda agredido e torturado psicologicamente por um policial militar que estava sem identificação.

O delegado, ao tipificar as condutas, não arbitrou fiança, ainda que nenhum destes crimes seja inafiançável, ordenando a condução do estudante para a Penitenciária Desembargador Flóscolo da Nobrega (Presídio do Róger). No presídio, Alph foi torturado por dois dias e impedido de fazer ligação ou acionar um advogado. Os detalhes deste e demais casos de assédio moral, sexual e abuso de poder por parte de funcionários públicos e terceirizados estão presentes neste dossiê apresentado ao Ministério Público.

“Tudo tem que acabar”, foi a última publicação no twitter de Clayton Tomaz de Sousa, de 31 anos, mais conhecido como Alph, estudante de Filosofia da UFPB. O tweet foi feito em 5 de fevereiro, um dia antes do seu desaparecimento.

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